Os amantes sem endereço
O barco fez a manobra de acostagem e colou-se lentamente ao cais, largando um sopro de fumo, negro e leve, que se elevou na atmosfera límpida. As gaivotas voavam nos turbilhões de ar, tentando equilibrar-se com as asas estendidas, mas sustentadas pelo vento, num equilíbrio precário que lembrava uma dança, de tal forma evoluíam no nada, umas em torno das outras.
Do barco repleto saiu a multidão. A quantidade de gente que desembarcou, homens e mulheres apressados, parecia inesgotável. Depois, havia menos gente, e ainda menos, até que ficavam só alguns mais atrasados.
Distinguiu-a então, com a sua figura esguia e frágil. A mulher viu-o também, encostado, cabelo revolto pela ventania, o cigarro apagado na mão.
Não se abraçaram, nem sequer se tocaram. A mulher parecia mais infeliz que nunca, olhou-o com uma timidez, um gesto de hesitação que lhe revelou tudo.
“Ele sabe de nós?”
Ela não falou. Nem sequer confirmou com um gesto. Semicerrou os olhos, por que o vento a fazia chorar e não queria chorar.
O homem largou fora a beata meio consumida e que a humidade apagara.
“Tens que sair de casa”, disse.
A mulher permaneceu em silêncio. Talvez tivesse sorrido amargamente, pois ambos sabiam que isso era impossível. Perderia as crianças.
“Vamos?”, perguntou ela.
O homem deu-lhe o braço, que a mulher aceitou.
E caminharam assim para o emprego, juntos, amantes sem endereço.
E as gaivotas pairavam no ar e o rio descia para o mar, como sempre fizera, numa corrente poderosa e invisível.
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