A tragédia de Morais
Não foi crueldade, mas mais um acaso que colocou aquela viga à frente da mesa de trabalho de Morais. Oficialmente, chamaram-lhe reorganização do escritório, mas os funcionários viram as mudanças como uma dança de cadeiras. Para uns, abriram-se oportunidades de subir na hierarquia; para outros, a rotação das mesas, a nova ocupação do espaço, representava uma espécie de visão do abismo e a inevitabilidade da queda. Foi o caso de Morais e convém sublinhar que não se movia contra ele qualquer intriga, não havia sequer má vontade dos superiores. O acaso lançara as suas enigmáticas cartas e colocara aquele pilar do edifício à frente da secretária. Ou, se preferirem uma descrição realista: tinha sido necessário abrir gabinetes no andar, reorganizar os tabiques e, quando foram colocar a secretária de Morais, apenas sobrava aquele espaço com vista para o pilar de suporte, que o obrigava a ficar de costas para o resto dos empregados. Neste ponto da história entra talvez alguma crueldade natural dos seres humanos. Tudo aquilo foi interpretado pelos funcionários como uma queda em desgraça. A reorganização fora mal pensada, mas ninguém levou isso em conta, era por castigo que o homem tinha sido colocado naquela posição, a olhar para um pilar de estrutura do edifício. Em abono da verdade, diga-se que Morais não era popular, antes pelo contrário, com aquele seu ar macambúzio nunca fizera amigos. E não fez mais. Passou um ano e os funcionários do escritório foram esquecendo Morais, que apenas viam de costas, enquanto ele olhava pensativamente para a viga estrutural. E, depois, quando o Morais foi despedido, o que cada um achou natural, a sua secretária ficou dois dias vazia. E todos os trabalhadores do escritório viveram dois dias de angústia, até saberem que tinha sido o Nunes o escolhido para ocupar o lugar em frente ao pilar, sem vista para nada senão a tinta da parede.