Verão
Tinha tempo. Pousou a pasta. Ninguém desconfiara dele. Só então, mais descansado, observou as pessoas em volta. Na mesa em frente, um casal jovem conversava. Nas suas costas, duas crianças. A menina olhava-o, com um dedo na boca, de quem se interroga sobre o insólito. Foi essa proximidade que o fez pensar de novo, como se um mecanismo interno tivesse recomeçado. Até chegar ali evitara raciocinar, pelo que os seus pensamentos eram práticos, fazer avançar as pernas sem se desequilibrar, sentir o peso da pasta, superior ao que ela efectivamente tinha e que medira, nos seus dois quilos. Pensara apenas nos acidentes do percurso, estudado minuciosamente, e que a polícia, mais tarde, tentaria reconstituir. Avançou por ali, deteve-se junto das flores, viu a tranquilidade do lago e dos plátanos na alameda, respirou o verão.
Agora, pensava nos dois meninos. Lamentou que tivesse de ser assim. Descansou, ao imaginar que talvez entretanto fossem brincar para o relvado ao fundo. Havia tempo. Teve pena da mulher graciosa e que adivinhou gentil. Desejou que ela se zangasse com o namorado, que se erguesse e saísse, ainda a tempo. Gostaria de ver o seu vestido longo a irromper pelas mesas. Viu os lábios húmidos dela, que gostaria de ter beijado. E, de repente, teve saudades da vida.
A criança afastara-se. Algo ficara fora do sítio. Soube instintivamente que se traíra. Talvez uma comoção interna revelada pelo corpo que já não lhe obedecia. Foi então que viu o príncipe Bikov, vindo da escada, uniforme branco, a condecoração a brilhar ao sol que acariciava a manhã. A trinta metros ainda, demasiado longe. O polícia que acompanhava o príncipe viu a criança e, depois, olhou para o estranho homem da pasta. E este soube de imediato que o polícia percebera tudo. O mundo precipitou-se. O príncipe Bikov recuava, empurrado, perdeu o quépi militar, que rolou no chão, muito pálido. Um copo caiu no chão. Houve um fragor paralisado.
E o anarquista pegou na pasta. O tempo esgotara-se. Accionou o detonador da bomba. A última coisa que viu foi a cara de anjo da mulher na mesa em frente, uma cara que estava no raio de acção da morte e que o olhava, numa interrogação triste.
Agora, pensava nos dois meninos. Lamentou que tivesse de ser assim. Descansou, ao imaginar que talvez entretanto fossem brincar para o relvado ao fundo. Havia tempo. Teve pena da mulher graciosa e que adivinhou gentil. Desejou que ela se zangasse com o namorado, que se erguesse e saísse, ainda a tempo. Gostaria de ver o seu vestido longo a irromper pelas mesas. Viu os lábios húmidos dela, que gostaria de ter beijado. E, de repente, teve saudades da vida.
A criança afastara-se. Algo ficara fora do sítio. Soube instintivamente que se traíra. Talvez uma comoção interna revelada pelo corpo que já não lhe obedecia. Foi então que viu o príncipe Bikov, vindo da escada, uniforme branco, a condecoração a brilhar ao sol que acariciava a manhã. A trinta metros ainda, demasiado longe. O polícia que acompanhava o príncipe viu a criança e, depois, olhou para o estranho homem da pasta. E este soube de imediato que o polícia percebera tudo. O mundo precipitou-se. O príncipe Bikov recuava, empurrado, perdeu o quépi militar, que rolou no chão, muito pálido. Um copo caiu no chão. Houve um fragor paralisado.
E o anarquista pegou na pasta. O tempo esgotara-se. Accionou o detonador da bomba. A última coisa que viu foi a cara de anjo da mulher na mesa em frente, uma cara que estava no raio de acção da morte e que o olhava, numa interrogação triste.
Nos tempos que correm, esta sensibilidade final não é muito expectável num terrorista. Talvez por combinação com a autoria do desenho anterior, veio-me à cabeça «L´Aigle a deux têtes/O Mistério de Oberwald».
Um abraço.
Caro Paulo, em nome do autor do texto, ressalvo que o homem é um anarquista talvez russo e a cena se passa no século passado. Nessa altura, os bombistas ainda tinham sensibilidade :)