20.12.05

Microcosmos I

No grupo só havia jovens (como explicar?) enfim, só me ocorre uma palavra adequada: belos. Tinham a beleza dos deuses habitantes do paraíso. Isso não parecia banal naquele tempo, o regime era sufocante, o quotidiano amolecia na austeridade de uma casa mortuária. Mas os amigos de Szilvia Faragó tinham a espontaneidade dos predestinados. No final dos anos 70, Szilvia ainda era adolescente, mas eu não a via assim. Estava apaixonado por ela e não a conseguia ver senão pelos olhos distorcidos da paixão. Szilvia tinha um jeito de rir, movendo a cabeça até ficar de perfil, com os cabelos cor de cobre a desenharem um arco de curvatura perfeita. Um movimento esplendoroso, em contraluz. Lembro-me do dia em que os acompanhei. Não me convidaram, mas segui-os. Queria confessar o meu amor e ela ficaria impressionada; ou haveria uma ocasião para mostrar a minha imensa coragem (lançava-me ao Danúbio para a salvar, ou algo assim). Hoje percebo que ninguém teve a bondade (teria sido isso, bondade) de me dizer que eu não fazia parte. “Não sejas ridículo, Lajos, não queremos que venhas connosco”. Destoava deles, com o meu ar rústico. Mas fui na mesma. Passeámos à toa na zona oriental de Budapeste, até ao Vidám Park, e nem me discriminaram, tratavam-me apenas como um corpo incómodo. E Szilvia distanciava-se, aumentando a minha ansiedade. O grupo foi até à roda gigante, segui-os. Havia dois lugares em cada cadeira. As cadeiras subiam até uma altura de 30 metros e depois desciam, numa elegância. Achei que aquela era a minha oportunidade e entrei no desespero dos jogadores que apostam tudo de uma vez. Tinha alguns forint no bolso e comprei dois bilhetes. “Vês Szilvia, vês? Tenho dois bilhetes”. Lá em cima, quando fôssemos só nós, confessaria o meu amor. Szilvia Faragó pegou nos dois bilhetes. Fingiu que estava feliz. “És um querido, Lajos”. E deu o braço ao Adám, que nem sequer era o namorado dela e que, no grupo, era quem eu mais detestava. E foram os dois juntos, subindo na roda grande.


Microconto de Lajos Kormányos
Tradução do húngaro: Luís Naves