Irrealidade
Abro a porta da escada e sinto um peso imenso no meu corpo. Ao virar-me, já dentro do prédio, reparo de novo no corpo franzino da prostituta que ocupa o passeio do outro lado da rua, a fumar um cigarro, vestida com um casaco cinzento. Naquela margem da rua está o laboratório de física, que de noite mergulha na escuridão profunda de uma espécie de buraco negro. Eu pertenço à fileira de prédios, deste lado. Entro e acendo a luz da escada. A lâmpada é tão estranhamente fraca que banha de sombras o corredor, tornando mais fantásticos os relevos Art Deco. Nesse instante, sinto de novo o peso imenso da solidão. E subo os primeiros degraus da escada. E parece-me que a escada se torna mais alta, que cada degrau é mais intransponível que o anterior, que a realidade se prolonga no vazio. Até que no terceiro andar, no último lanço, os degraus são tão altos que devo erguer a perna num movimento amplo, com grande esforço, para os subir. Abro a porta da casa e estou na escada. Olho o corpo franzino da prostituta no passeio em frente, que veste um casaco branco e não fuma. O laboratório de física em frente é uma massa de negrume sinistro, que me acentua o peso imenso do corpo. Percorro o corredor sem ornamentos, apenas a parede amarelada. Subo os lanços de escadas, mas são só dois e, quando abro a porta da casa, entro na sala e, da janela, vejo a prostituta no passeio em frente, a qual não fuma, mas veste um vestido demasiado fino para inverno. E então invade-me o calor imenso do meu sobretudo, pois visto sobretudo numa noite de verão tropical. E, ao tirar a roupa, percebo que a realidade está lá fora, além da janela e nos limites do laboratório de física, onde uma luz agora brilha tenuamente, uma realidade fora de mim, feita de acaso e aleatório. E a prostituta, quatro andares mais abaixo, olha para a janela onde eu deveria estar e não vê ninguém.