Os amantes sem endereço
O rio parecia sereno, mas corria em maré cheia, numa violência interna que o plano da superfície ainda ocultava. Um velho cacilheiro avançou nas águas, arfante e cansado, e só os picos nervosos das ondas desencontradas, em choque com o casco, lembravam a sua aflição na corrente. O despertar gelado da manhã tinha um vento que obrigava os apressados viajantes a fecharem mais os casacos contra o corpo.
O barco fez a manobra de acostagem e colou-se lentamente ao cais, largando um sopro de fumo, negro e leve, que se elevou na atmosfera límpida. As gaivotas voavam nos turbilhões de ar, tentando equilibrar-se com as asas estendidas, mas sustentadas pelo vento, num equilíbrio precário que lembrava uma dança, de tal forma evoluíam no nada, umas em torno das outras.
Do barco repleto saiu a multidão. A quantidade de gente que desembarcou, homens e mulheres apressados, parecia inesgotável. Depois, havia menos gente, e ainda menos, até que ficavam só alguns mais atrasados.
Distinguiu-a então, com a sua figura esguia e frágil. A mulher viu-o também, encostado, cabelo revolto pela ventania, o cigarro apagado na mão.
Não se abraçaram, nem sequer se tocaram. A mulher parecia mais infeliz que nunca, olhou-o com uma timidez, um gesto de hesitação que lhe revelou tudo.
“Ele sabe de nós?”
Ela não falou. Nem sequer confirmou com um gesto. Semicerrou os olhos, por que o vento a fazia chorar e não queria chorar.
O homem largou fora a beata meio consumida e que a humidade apagara.
“Tens que sair de casa”, disse.
A mulher permaneceu em silêncio. Talvez tivesse sorrido amargamente, pois ambos sabiam que isso era impossível. Perderia as crianças.
“Vamos?”, perguntou ela.
O homem deu-lhe o braço, que a mulher aceitou.
E caminharam assim para o emprego, juntos, amantes sem endereço.
E as gaivotas pairavam no ar e o rio descia para o mar, como sempre fizera, numa corrente poderosa e invisível.
O barco fez a manobra de acostagem e colou-se lentamente ao cais, largando um sopro de fumo, negro e leve, que se elevou na atmosfera límpida. As gaivotas voavam nos turbilhões de ar, tentando equilibrar-se com as asas estendidas, mas sustentadas pelo vento, num equilíbrio precário que lembrava uma dança, de tal forma evoluíam no nada, umas em torno das outras.
Do barco repleto saiu a multidão. A quantidade de gente que desembarcou, homens e mulheres apressados, parecia inesgotável. Depois, havia menos gente, e ainda menos, até que ficavam só alguns mais atrasados.
Distinguiu-a então, com a sua figura esguia e frágil. A mulher viu-o também, encostado, cabelo revolto pela ventania, o cigarro apagado na mão.
Não se abraçaram, nem sequer se tocaram. A mulher parecia mais infeliz que nunca, olhou-o com uma timidez, um gesto de hesitação que lhe revelou tudo.
“Ele sabe de nós?”
Ela não falou. Nem sequer confirmou com um gesto. Semicerrou os olhos, por que o vento a fazia chorar e não queria chorar.
O homem largou fora a beata meio consumida e que a humidade apagara.
“Tens que sair de casa”, disse.
A mulher permaneceu em silêncio. Talvez tivesse sorrido amargamente, pois ambos sabiam que isso era impossível. Perderia as crianças.
“Vamos?”, perguntou ela.
O homem deu-lhe o braço, que a mulher aceitou.
E caminharam assim para o emprego, juntos, amantes sem endereço.
E as gaivotas pairavam no ar e o rio descia para o mar, como sempre fizera, numa corrente poderosa e invisível.
Etiquetas: conto
um óptimo 2006 para ti, para a Maria e todos os teus.
E que estes prazeres minúsculos se multipliquem noutros tantos em muitos dias felizes
beijocas
Querida zazie,
Embora este post não seja meu (juro que o Luís Naves não é um gheterónimo) deduzo que os votos me sejam dirigidos.
Muito muito obrigado e que em 2006 continuemos a solidificar estas cibernéticas amizades electivas.
Isto é a consagração do que eu sempre denuncio: a comunhão do emprego como exortação ao adultério. À noite, cansados ambos, cada um achará a cara-metade uma bruxa ou um ogre. De manhã, fresquinhos, só encontram compreensão e atractivos um no outro. Depois trocarão. E começará tudo de novo...
Podem não ter endereço, mas o destino já está selado.
Dixit.
BOM ANO:)
Feliz 2006 a Ambos os Autores.
sou um heterónimo
Feliz Ano Novo ao ortónimo, e já agora ao heterónimo.
Meu Caro Luís Naves:
Heterónimo, imagino, no sentido de fusão que a amizade dá. Mas não mais. Não só tive muito gosto em comentar este Seu texto, como também já colhi de um outro, por Si publicado no «DN».
Bem haja. E bom ano, mais uma vez.
Um excelente ano para todos