À espera do 89
No denso nevoeiro, o rapaz deixara de ver. Largado ao acaso, tentou não abandonar a precária vereda de lama, até distinguir, com alívio, o vulto indefinido da paragem do autocarro 89 a emergir naquela sopa cinzenta. A pequena construção (aberta em dois lados, com o banco corrido ao meio) ficava a certa distância do bairro de Santa Luzia. Os habitantes tinham de atravessar o campo, para chegarem à estrada.
O rapaz reparou que estavam na paragem mais três pessoas: um velho, uma rapariga, o vizinho do mesmo prédio, que trabalhava na fábrica ao fundo da estrada. “Ah! És tu?”, perguntou-lhe o vizinho, “Parecias um fantasma”. Depois, ficaram os quatro em silêncio. A rapariga era estudante, devia ir para o liceu; o velho tiritava de frio, sentara-se no banco corrido, como se tivesse falta de ar.
“Quando chega o autocarro?”, perguntou o rapaz.
“Meia hora de espera!”, explicou o operário. “Está cada vez pior”.
Queria dizer o serviço, mas era homem de poucas falas.
Não apareceu mais ninguém, o nevoeiro adensara, como se fosse agora sólido muro. A humidade dificultava a respiração e o frio produzia uma dor de fundo, igual à que se sente depois de um espancamento minucioso. O tempo por vezes acelerava, depois sofria síncopes fragmentadas e parecia prolongar-se além da atmosfera liquefeita.
“Não podemos ficar aqui eternamente”, disse o rapaz. A rapariga concordou, com um gesto que dizia tudo sobre a sua angústia.
“Temos de ser pacientes. O 89 está a chegar”, resmungou o velho.
Tentaram ouvir barulho, mas além do nevoeiro havia apenas o indefinível.
“Um silêncio de morte”, disse o rapaz, repetindo a expressão que lera num livro de poesia.
“Como se isto fosse um sonho”, interrompeu o operário, que não era dado a metáforas.
“Uma hora à espera do 89 não é normal. Vou regressar pelo mesmo caminho por onde vim”, decidiu o rapaz. Assim fez e a rapariga seguiu-o de perto.
Passou mais tempo. As sombras dos dois jovens tinham desaparecido na bruma espessa. O operário cansou-se:
“Vou seguir pela estrada”, disse ele ao velho, “venha daí comigo”.
“Prefiro ficar, o autocarro não tarda”, respondeu o velho.
O operário encolheu os ombros e lançou-se à caminhada.
O rapaz, a rapariga e o operário saíram do nevoeiro pouco depois; regressaram logo ao ponto de origem, mas a paragem estava vazia. Restava uma ligeira névoa e o idoso tinha desaparecido. Ninguém sabia quem ele era, ninguém deu pela sua falta. Por vezes, na paragem, nas tardes de vento, parece aos viajantes que alguém diz “não tarda, não tarda”. Mas, enfim, tudo isto pode ser uma simples lenda.
O rapaz reparou que estavam na paragem mais três pessoas: um velho, uma rapariga, o vizinho do mesmo prédio, que trabalhava na fábrica ao fundo da estrada. “Ah! És tu?”, perguntou-lhe o vizinho, “Parecias um fantasma”. Depois, ficaram os quatro em silêncio. A rapariga era estudante, devia ir para o liceu; o velho tiritava de frio, sentara-se no banco corrido, como se tivesse falta de ar.
“Quando chega o autocarro?”, perguntou o rapaz.
“Meia hora de espera!”, explicou o operário. “Está cada vez pior”.
Queria dizer o serviço, mas era homem de poucas falas.
Não apareceu mais ninguém, o nevoeiro adensara, como se fosse agora sólido muro. A humidade dificultava a respiração e o frio produzia uma dor de fundo, igual à que se sente depois de um espancamento minucioso. O tempo por vezes acelerava, depois sofria síncopes fragmentadas e parecia prolongar-se além da atmosfera liquefeita.
“Não podemos ficar aqui eternamente”, disse o rapaz. A rapariga concordou, com um gesto que dizia tudo sobre a sua angústia.
“Temos de ser pacientes. O 89 está a chegar”, resmungou o velho.
Tentaram ouvir barulho, mas além do nevoeiro havia apenas o indefinível.
“Um silêncio de morte”, disse o rapaz, repetindo a expressão que lera num livro de poesia.
“Como se isto fosse um sonho”, interrompeu o operário, que não era dado a metáforas.
“Uma hora à espera do 89 não é normal. Vou regressar pelo mesmo caminho por onde vim”, decidiu o rapaz. Assim fez e a rapariga seguiu-o de perto.
Passou mais tempo. As sombras dos dois jovens tinham desaparecido na bruma espessa. O operário cansou-se:
“Vou seguir pela estrada”, disse ele ao velho, “venha daí comigo”.
“Prefiro ficar, o autocarro não tarda”, respondeu o velho.
O operário encolheu os ombros e lançou-se à caminhada.
O rapaz, a rapariga e o operário saíram do nevoeiro pouco depois; regressaram logo ao ponto de origem, mas a paragem estava vazia. Restava uma ligeira névoa e o idoso tinha desaparecido. Ninguém sabia quem ele era, ninguém deu pela sua falta. Por vezes, na paragem, nas tardes de vento, parece aos viajantes que alguém diz “não tarda, não tarda”. Mas, enfim, tudo isto pode ser uma simples lenda.
A voz que fica, vazia, sem sombra, sem significado...
Alguns ouvem, outros não querem ouvir...lol
Vim através do Substrato, e valeu a pena...