18.9.06

O abismo da vida humana


Ao Domingo, junta-se toda a família em casa do meu irmão mais velho, que tem uma vivenda (é construtor civil e a casa dele é suficientemente grande para todos). Tenho quatro irmãos, todos casados (sou o único solteiro), Às vezes vai também o meu tio, que é o meu patrão, dono da barbearia onde trabalho. Mas não era o caso. Estávamos só nós: eu, os meus irmãos e o meu pai.
Comemos muito bem (a minha cunhada é uma excelente cozinheira) e o meu pai, que é viúvo (a mãe morreu há dois anos) estava muito feliz e começou a contar uma história, de uma namorada que tinha tido antes de conhecer a nossa mãe. Nós rimos, imaginando o namoro; e tentámos adivinhar a razão do namoro não ter sido bem sucedido. Alguém perguntou isso mesmo, porque razão não tinha casado. O velho fez uma pausa, ficou a olhar para nós, subitamente com ar sério. Podia perfeitamente ter casado com ela, disse ele, não aconteceu por simples acaso. Então, depois de afirmar isto, o meu pai ficou com uma expressão que só lhe tinha visto no funeral da minha mãe, como se estivesse a ver o fundo de um poço e, lá dentro, almas aprisionadas.
Nenhum de nós estaria aqui, disse ele. Só eu, talvez, e não seria aqui, mas noutro sítio. E percebemos que imaginava uma vida alternativa, em que tinha casado com essa mulher, tido outros filhos e outros netos. Estaria a almoçar com essas outras pessoas, em outro sítio qualquer.
Olhámo-nos, subitamente conscientes de que éramos os filhos de uma circunstância irrepetível, uma teia de acontecimentos só possíveis uma única vez, num único tempo e espaço.
Senti um súbito arrepio e penso que o mesmo sucedeu aos meus irmão. Pensei, de repente, em todas aquelas pessoas que podiam ter existido, mas que nunca tinham existido; talvez melhores do que eu, talvez piores... E, por um infinito segundo, também vi o abismo que é a vida humana...
Cláudio Silva
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