Setenta e quatro
A Parede nunca foi um bom prenúncio. Alguém ligou ontem de noite
- eram 5 da manhã quando o telefone tocou
para dizer que morreste na madrugada e eu tão fiquei feliz por não existires mais.
Procura-me agora só com os dedos das mãos no escuro: os teus dedos feitos de geribérias frias sem sangue a passearem as pétalas orvalhadas no meu corpo, nas minhas costas que as aceitam e as querem por parte
- diz que não vais fugir agora que te encontrei, agora que me achaste porque os aeroportos a mim sempre me deram lágrimas nos olhos, que descendo, me mutilam e cortam a pele
(o rosto bonito cor de luz)
se eu fechar agora os olhos com força e fingir que nada aconteceu posso sentir na ausência do meu corpo, o voo do pássaro grande, do pássaro pesado e desgovernado que tomba o corpo sem postura rumo à terra que desconhece:
há um pássaro grande que rasga o céu desesperado pela orientação, uma qualquer orientação celeste que lhe tire as dores das asas nuas do tamanho da montanha
- queria contar-te que conheço as montanhas de Goba e que quando lhe conheci o topo pensei em nós a dançar nus num jardim de velhos
ontem quando me falaste, ia dizer que te amo sem saber porquê.
Sei que se te oferecer o meu corpo morreremos os dois pelo peso do incesto:
-somos gémeos cá dentro
mas explica-me porque é que a vida na padaria só se efectiva quando eu lá entro, explica-me como é que os livros do meu quarto falam à noite quando tudo se cala e eu durmo
(os livros a falarem com os sapatos, com os vestidos, com os soutiens do armário:
falam todos tanto quando tudo dorme e eu nua a fingir o sono, a fingir não ouvir)
explica-me o som das mãos e dos braços da Dor a bater nos vidros do carro com força quando o ouviu travar, e se aproximou, ávida, no momento em que os semáforos fecharam e ganharam o vermelho do sangue:
explica-me porque é que ela me escolheu a mim, em desespero, para me despir
- a Dor a violar-me com toda a gente a ver
Eu só a vi naquele dia: depois disso nunca mais andei de carro.
Não contei a ninguém mas a Dor é uma mulher de meia idade, loura, alta, de vestido preto secreto sentada a aguardar-me na curva dos semáforos:
a Dor a rasgar-me a roupa no carro, a dizer-me ao ouvido que tu só existes se eu deixar.
Eu não vou deixar porque alguém ligou para minha casa esta noite a dizer que morreste na madrugada: eu fiquei tão feliz por não existires mais.
A Parede nunca foi um bom prenúncio
- eram 5 da manhã quando o telefone tocou
para dizer que morreste na madrugada e eu tão fiquei feliz por não existires mais.
Procura-me agora só com os dedos das mãos no escuro: os teus dedos feitos de geribérias frias sem sangue a passearem as pétalas orvalhadas no meu corpo, nas minhas costas que as aceitam e as querem por parte
- diz que não vais fugir agora que te encontrei, agora que me achaste porque os aeroportos a mim sempre me deram lágrimas nos olhos, que descendo, me mutilam e cortam a pele
(o rosto bonito cor de luz)
se eu fechar agora os olhos com força e fingir que nada aconteceu posso sentir na ausência do meu corpo, o voo do pássaro grande, do pássaro pesado e desgovernado que tomba o corpo sem postura rumo à terra que desconhece:
há um pássaro grande que rasga o céu desesperado pela orientação, uma qualquer orientação celeste que lhe tire as dores das asas nuas do tamanho da montanha
- queria contar-te que conheço as montanhas de Goba e que quando lhe conheci o topo pensei em nós a dançar nus num jardim de velhos
ontem quando me falaste, ia dizer que te amo sem saber porquê.
Sei que se te oferecer o meu corpo morreremos os dois pelo peso do incesto:
-somos gémeos cá dentro
mas explica-me porque é que a vida na padaria só se efectiva quando eu lá entro, explica-me como é que os livros do meu quarto falam à noite quando tudo se cala e eu durmo
(os livros a falarem com os sapatos, com os vestidos, com os soutiens do armário:
falam todos tanto quando tudo dorme e eu nua a fingir o sono, a fingir não ouvir)
explica-me o som das mãos e dos braços da Dor a bater nos vidros do carro com força quando o ouviu travar, e se aproximou, ávida, no momento em que os semáforos fecharam e ganharam o vermelho do sangue:
explica-me porque é que ela me escolheu a mim, em desespero, para me despir
- a Dor a violar-me com toda a gente a ver
Eu só a vi naquele dia: depois disso nunca mais andei de carro.
Não contei a ninguém mas a Dor é uma mulher de meia idade, loura, alta, de vestido preto secreto sentada a aguardar-me na curva dos semáforos:
a Dor a rasgar-me a roupa no carro, a dizer-me ao ouvido que tu só existes se eu deixar.
Eu não vou deixar porque alguém ligou para minha casa esta noite a dizer que morreste na madrugada: eu fiquei tão feliz por não existires mais.
A Parede nunca foi um bom prenúncio
uma coisa ke eu gosto nos teus poemas e ke nunca encontrei em nenhum poeta, é ke leio e releio os poemas, como se fosse a primeira vez. os meus olhos aproximam-se do monitor (neste caso), saio do mundo e entro no teu poema.
e eu releio e releio as pessoas como se fosse a primeira vez
Pois é Inês Leitão, e nesse muito "leio e releio" esquece-se que a sua primeira vez desmemoriada é diferente de quem lê com atenção.
Isso de andar a copiar estilos de escrita a régua e esquadro, [e aos 24 anos!], É PLÁGIO.
http://livrotriste.blogspot.com/
Estou a meter-me onde não sou chamado; mas, como gostei tanto deste texto (até roubei uma parte), fui ver o outro. Não me parece nada cópia. Se é, está melhor :))
"Setenta e quatro" não vai além da "literatura"? Acho que vai. O que deixa as coisas do estilo assim mais para baixo...
E esta coisa de intercalar ritmos de escrita-pensamento não é já posse de ninguém.
Escreva, Inês. O que tem muito lá dentro.