17.6.06

Contos do Mundial (IV) Bobeei e dancei (primeira parte)

1. E logo o moleque decidiu nascer no dia da final da Copa do Mundo. Eu preparara um rádio de bolso para ouvir o relato falado, quando apareceu na ladeira a santinha da dona Ermelinda, dizendo, seu Florindo, o estão chamando lá na maternidade do doutor Rubem Fonseca, porque o neném está nascendo.
Puta sorte, exactamente naquela hora, em que o Brasil descia no gramado.

A referida maternidade fica no limite da zona sul, é preciso tomar ônibus. Me meti à estrada, a pensar em como seria a esplendorosa final, quero dizer, mas também me preocupava com a Mônica, minha mulher, uma mulata braba e cheirosa, que amo muito, embora a meu jeito.

Naquela altura, eu escrevia novela romântica para uma editora de livro popular, das de dois cruzeiros. Estava bolando uma história de herdeira apaixonada por cara caipira, assim como eu, um moço enxuto e fogoso, dentuça grande e bigode à Rivelino.
Eu tinha saudade da Mônica, que a minha sogra nessa manhã levara para a maternidade, pegando carona do siô Inácio, que tem um táxi lá na favela. A criança deveria nascer no dia seguinte, só no dia seguinte, mas se antecipou, feito ponta-de-lança. Catástrofe para mim! Dona Ermelinda me deu a bruta notícia, mas notícia deve ter sempre hora adequada, não deve ser coisa extemporânea (O leitor se interroga com esta extemporaneidade, mas convém meter de vez em quando uma palavra mais grossa e de belo efeito).

Saí do ônibus na ladeira de Santa Engrácia, a um quilómetro, ou mais, da maternidade, porque vi um botequim aberto onde se reunira uma agitada multidão de torcedores. Por isso desci. Havia um televisor, com um esplêndido preto e branco, que me permitia ver quanto apertado era o terreno de jogo. Os brasileiros corriam pelo campo fora, pareciam ter asas; os italianos eram circunspectos e ferozes, mas semelhantes a bicho caçado e sem rota de fuga. A turma no botequim lembrava congresso de catatua, olhando um só ponto da floresta e meditando, com subtileza, nas agruras da vida.