passadeiras
atravessar a estrada pode ser uma maneira não tão simples assim
de se ser atropelado por um conjunto incomportável de pensamentos,
era o que me dizia o meu tio quando me encontrava na calçada
a fazer contas de somar com os meus dedos ainda tão pequenos.
quando me crescerem as pernas, também me crescerão os cabelos,
e então vou ser grande e cabeludo e de dedos esticados
conseguirei somar as várias partes do universo que me escapam hoje,
os sonhos, os lábios, as raízes, as moscas, as nuvens e o pó.
o meu tio sorria e segurava-me pelos ombros de uma forma tão terna
que eu me sentia a conduzir uma mota pelas estradas que levam à praia,
um vento soprava na nossa direcção e o nosso destino primeiro
tornava-se outro e depois outro e depois outro, de uma maneira
simples e só observável para quem era mão ou ombro neste encontro.
quando me crescerem os olhos, vou poder ver para lá daquela serra
e poderei descer pelo vale e subir outra serra e descer outro vale
e ir até onde nunca ninguém foi, pois terei olhos grandes e crescidos.
o meu tio fazia-me parar a motorizada, segurava-me a mão
e levava-me de volta a casa. se fosses um gato não te perdias tantas vezes
mas também não gostarias que te cortassem as unhas tão curtas
de uma maneira que nem a ti mesmo te consegues contar pelos dedos.
quando a porta se abria, a minha mãe estava sempre a chorar
e a televisão berrava lá de dentro da sala num concurso de fim de tarde
onde o meu pai fingia que mais ninguém existia senão o seu descanso.
eu a contar pelos dedos o tempo que faltava para atravessar a estrada.
de se ser atropelado por um conjunto incomportável de pensamentos,
era o que me dizia o meu tio quando me encontrava na calçada
a fazer contas de somar com os meus dedos ainda tão pequenos.
quando me crescerem as pernas, também me crescerão os cabelos,
e então vou ser grande e cabeludo e de dedos esticados
conseguirei somar as várias partes do universo que me escapam hoje,
os sonhos, os lábios, as raízes, as moscas, as nuvens e o pó.
o meu tio sorria e segurava-me pelos ombros de uma forma tão terna
que eu me sentia a conduzir uma mota pelas estradas que levam à praia,
um vento soprava na nossa direcção e o nosso destino primeiro
tornava-se outro e depois outro e depois outro, de uma maneira
simples e só observável para quem era mão ou ombro neste encontro.
quando me crescerem os olhos, vou poder ver para lá daquela serra
e poderei descer pelo vale e subir outra serra e descer outro vale
e ir até onde nunca ninguém foi, pois terei olhos grandes e crescidos.
o meu tio fazia-me parar a motorizada, segurava-me a mão
e levava-me de volta a casa. se fosses um gato não te perdias tantas vezes
mas também não gostarias que te cortassem as unhas tão curtas
de uma maneira que nem a ti mesmo te consegues contar pelos dedos.
quando a porta se abria, a minha mãe estava sempre a chorar
e a televisão berrava lá de dentro da sala num concurso de fim de tarde
onde o meu pai fingia que mais ninguém existia senão o seu descanso.
eu a contar pelos dedos o tempo que faltava para atravessar a estrada.
Quando eu crescer quero SER e tocar as pessoas com as minhas palavras assim como tu o fazes de "dedos esticados" e talvez consiga, também, "somar as várias partes do universo que me escapam hoje"
Um dos melhores que já li ;)
Beijinho