7.1.06

A traição

“Ele acha que você favorece algumas pessoas e que devia ser mais distante”, disse Brandes.


Conseguira, estava dito, não havia recuo. Primeiro, no meio do silêncio, tentou distrair-se com um pensamento inócuo, enquanto avaliava a maneira como lançara a farpa sobre Georg. O engenheiro Sombart estava a estudar a sua frase. Olhara-o com intensidade invulgar, talvez tentasse perceber se ele dissera a verdade. Mas o exame durou pouco. Sombart não precisava de muito para se convencer. Reclinou-se na cadeira, brincou nervosamente com o lápis que tinha na mão.


“O Georg sempre foi arrogante, não acha?”, disse o engenheiro.


Brandes sabia que, agora, precisava de ter ainda mais cuidado:


“Nunca tinha pensado nisso”, respondeu. “O Georg é meu amigo, talvez seja arrogante para outras pessoas”.


Depois ficaram os dois um bom pedaço de tempo em silêncio. Sombart ponderava na traição de Georg.


A mentira mais eficaz é aquela que se desvia apenas milímetros da verdade, pensou Brandes. Sorria mentalmente, mas a cara nada mostrou, além da frieza habitual. Uma onda de calor, de imensa perturbação íntima, atravessou cada fibra do seu corpo. Era quase sexual, a satisfação que sentia. E não mentira, não. Georg era seu amigo. Tinha conseguido o êxito que ele nunca conseguira e um salário mais alto. Fizera outra coisa (isso não lhe podia perdoar), sempre o considerara inferior, a quem se ajuda por quase caridade. A raiva dominou-o por um instante. Perdeu o controlo:


“Ele acha-se um pouco superior, é um facto”.


Sombart concordou, com um gesto melancólico. Decidira esmagar Georg. Iria humilhá-lo, talvez destruir a sua carreira. Brandes moveu ligeiramente um músculo em torno do lábio. Sorrira, mas o engenheiro não viu, ocupado com o lápis. Depois, Sombart fez um pequeno gesto com a mão. Brandes estava dispensado, saiu do gabinete. A partir daí, Georg teria problemas. E Brandes pensou, com alegria, que talvez o empurrasse na sua queda, ou melhor, muito melhor, talvez lhe desse a mão, com caridade.

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