4.1.06

O planeta das mulheres

Aquilo que sentes, pela primeira vez, é o Amor. E este mundo, em cada dia de novo habitado e desabitado por amantes que se encontram e se perdem, o único mundo que conhecerás. Nele, há um sentido para cada palavra gasta ou por usar. Há um Deus, crianças que nascem, mulheres que nos amam, outras (ou as mesmas) que nós amamos. E pouco, ou nada, mais.


- «Gostaria de saber uma coisa», pergunta Cassiel, o anjo caído. «O mundo é igual para as mulheres e para os homens? As mulheres são diferentes?».


- «As mulheres são humanas. Portadoras de uma luz humana. Os homens procuram, procuram, até encontrarem nelas o calor que lhes falta. Elas compreendem-vos. É tudo o que sei dizer».


Elas compreendem-nos, sim. Envolvem-nos na sua vontade de restituir a cada homem a nossa inocência.Para não precisarmos de recomeçar, de cair e cair de novo, de perdermos para sempre a vontade de nascer.


As mulheres são o princípio activo do universo, digo-te eu. Este planeta é o planeta das mulheres. Ele move-se empurrado pela sua vontade de amar, de serem amadas, de perdoar e de esquecer. E o Tempo, também ele, é feminino, embora por vezes as palavras tenham o sexo trocado na maternidade da gramática. O Tempo como já não o conhecemos, de quando éramos crianças e tinhamos mãe e o seu calor a eternidade da nossa ignorância. Deves lembrar-te, havia essa luz nova em cada manhã e o mistério renovado de viver. Agora que sentes o amor, sentes também o que te escrevo, mesmo que não o entendas.

«Deixei-a pedindo-lhe licença para tornar a vê-la nesse mesmo dia, ela consentiu e eu de novo a vi. Desde esse momento, Sol, Lua, estrelas, podem dispor-se segundo a sua fantasia. Já não sei quando é dia, quando é noite, o Universo sumiu-se ao redor de mim».


Assim te fala Goethe através de Werther. Podiam ser tuas estas palavras, maravilhosa descrição de um lugar comum, como é todo aquele em que nos reconhecemos. É o momento infinito em que agora vives e pouco importa quando acabará. «Ama e faz o que quiseres», foi um Santo quem o disse, chamado Agostinho. E na verdade, desde que ames, tudo te é permitido e tudo o que faças será bom.

Mas se tiver um fim, se for necessário que termine o que deveria sempre começar, ouve as palavras de Rilke ao jovem poeta Kappus: «Não julgue que o amor que conheceu adolescente se tenha perdido. Não foi ele que fez germinar em si aspirações ricas e fortes, projectos de que ainda hoje vive? Tenho a certeza de que esse amor apenas sobrevive, tão forte, tão poderoso na sua recordação, pelo facto de ter sido a primeira ocasião de estar só no mais profundo de si próprio, o primeiro esforço interior que tentou na sua vida. Meu caro senhor Kappus, todos os meus votos de felicidade. Seu, Rainer Maria Rilke».


14 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Senhor,
os meus parabéns pela prosa.
Senti com encanto o perfume da imagem e o aroma desta frase: "E na verdade, desde que ames, tudo te é permitido e tudo o que faças será bom."

Um bom novo ano:)

9:47 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

O perfume das flores, a cor, a vida. O Amor. A base de tudo. Ao ler este texto sinto que, se fechar os olhos por instantes, poderei até sentir uma aragem libertadora. Obrigada por este texto logo pela manhã.

10:26 da manhã  
Blogger João Villalobos said...

Cara menina Innie, um bom ano novo para si também e o desejo de que as suas férias tenham sido retemperadoras e felizes.

11:51 da manhã  
Blogger João Villalobos said...

Esqueci-me de dizer que as flores da imagem foram baptizadas Brigitte Bardot :)

12:21 da tarde  
Blogger camponesa pragmática said...

Telúrico, por exemplo mas sem ser por acaso, tem mesmo o género trocado. (Este texto é uma benção.)

3:20 da tarde  
Blogger camponesa pragmática said...

e ainda o Munch, a propósito:
http://www.munch.museum.no/livsfrisen/english/love/kvinnen1.htm#

3:24 da tarde  
Blogger camponesa pragmática said...

/kvinnen1.htm#

3:24 da tarde  
Blogger camponesa pragmática said...

São os quadros das mulheres na mulher :)

3:25 da tarde  
Blogger Paulo Cunha Porto said...

Um belo texto. Mas que esquece que os anjos tiveram comércio com as Mulheres...
Entretanto: «uma Mulher com vontade de esquecer». Pode ser que haja, há decerto algumas que o dizem. Nunca conheci nenhuma que o quisesse verdadeiramente, por muito que tivesse passado. Porque esquecer é diferente de deixar de pensar nas cicatrizes... e estas, postas em sossego na estante dos "bibelots", podem fazer amar melhor.

8:01 da tarde  
Blogger João Villalobos said...

Muito obrigado Ana pelo elogio, pela dica e pela visita :)

Paulo, falamos disso no próximo almoço :)

1:24 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

As mulheres não esquecem, nunca. Porque não podem. Porque tudo o que lhes acontece fica-lhes no corpo.

E não há nada de figurado no que estou a dizer.

12:33 da tarde  
Blogger João Villalobos said...

Pronto. Se calhar não. Eu sei lá. Sou apenas um homem...:)

12:55 da tarde  
Blogger João Villalobos said...

E ainda por cima com temdência para a amnésia localizada...

12:55 da tarde  
Blogger João Villalobos said...

Tendência...sorry

12:56 da tarde  

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