A moça
“Ôi, Afonso, como é qui cê vai?”
A moça estava em frente dele; materializara-se a partir do nada. Afonso sentiu que segurava com mais força a mão do filho, mas o menino continuava distraído com uma pomba que se afastava, sem alarme nem esforço de asas, apenas uns saltos de borboleta. A moça fez um gesto que traía incompreensão, o que o fez recordar a força com que a segurara naquela noite, ainda não tinham passado três meses. A brasileira não era especialmente bonita, observou, a pensar na mãozinha do filho, que continuava presa à sua, apesar do fascínio da pomba quase fazer os dois braços, o grande e o do menino, esticarem-se como no jogo da corda. A moça parecia-lhe agora apenas mediana, algo ameaçadora. Esticara o cabelo encaracolado e usava-o penteado ao comprido. Os olhos eram mais tristes. Fora uma loucura enrolar-se com ela.
Com a surpresa, deixou soltar-se a mão do menino, que correu na direcção da pomba. Houve um arrufo de asas, o riso da criança. Desviou-se de imediato para o apanhar, simulando embaraço, sorrindo para a rapariga. “O raio do miúdo”, disse.
“É muito bônito, o minino”, respondeu ela, a tentar meter conversa.
Ele concordou, distraído com a cor do céu.
“Cê nunca dissi mai nada”.
Ele engasgou-se. Sorriu vagamente. Uma simples noite e aquilo que a preocupava era ele não ter dito mais nada. A incómoda irritação fez com que recordasse o corpo dela, com o seu peito minúsculo. Fora tudo uma loucura, não compreendia? Mulher ausente uma semana, sem as crianças em casa; os amigos solteiros tinham-no levado a jantar fora; andaram pelos bares das docas e num deles estavam as três brasileiras; alguém metera conversa; às tantas, ficaram apenas eles os dois, sem saberem o que dizer um ao outro; e, às duas da manhã, desataram aos beijos, num impulso; depois havia aquele hotel manhoso mesmo ali ao lado...
Ela agarrava nervosamente o cabelo comprido:
“Cê num lembra di mim?”
Uma noite era apenas uma noite, pensou ele. Fez como se não se recordasse bem. Então, para poder evitar os amargos olhos da moça, que um leve choro já inundava, Afonso foi à procura da pequena mão do seu filho, que corria ainda atrás da pomba, num alvoroço.
A moça estava em frente dele; materializara-se a partir do nada. Afonso sentiu que segurava com mais força a mão do filho, mas o menino continuava distraído com uma pomba que se afastava, sem alarme nem esforço de asas, apenas uns saltos de borboleta. A moça fez um gesto que traía incompreensão, o que o fez recordar a força com que a segurara naquela noite, ainda não tinham passado três meses. A brasileira não era especialmente bonita, observou, a pensar na mãozinha do filho, que continuava presa à sua, apesar do fascínio da pomba quase fazer os dois braços, o grande e o do menino, esticarem-se como no jogo da corda. A moça parecia-lhe agora apenas mediana, algo ameaçadora. Esticara o cabelo encaracolado e usava-o penteado ao comprido. Os olhos eram mais tristes. Fora uma loucura enrolar-se com ela.
Com a surpresa, deixou soltar-se a mão do menino, que correu na direcção da pomba. Houve um arrufo de asas, o riso da criança. Desviou-se de imediato para o apanhar, simulando embaraço, sorrindo para a rapariga. “O raio do miúdo”, disse.
“É muito bônito, o minino”, respondeu ela, a tentar meter conversa.
Ele concordou, distraído com a cor do céu.
“Cê nunca dissi mai nada”.
Ele engasgou-se. Sorriu vagamente. Uma simples noite e aquilo que a preocupava era ele não ter dito mais nada. A incómoda irritação fez com que recordasse o corpo dela, com o seu peito minúsculo. Fora tudo uma loucura, não compreendia? Mulher ausente uma semana, sem as crianças em casa; os amigos solteiros tinham-no levado a jantar fora; andaram pelos bares das docas e num deles estavam as três brasileiras; alguém metera conversa; às tantas, ficaram apenas eles os dois, sem saberem o que dizer um ao outro; e, às duas da manhã, desataram aos beijos, num impulso; depois havia aquele hotel manhoso mesmo ali ao lado...
Ela agarrava nervosamente o cabelo comprido:
“Cê num lembra di mim?”
Uma noite era apenas uma noite, pensou ele. Fez como se não se recordasse bem. Então, para poder evitar os amargos olhos da moça, que um leve choro já inundava, Afonso foi à procura da pequena mão do seu filho, que corria ainda atrás da pomba, num alvoroço.
às vezes acontece com quase toda gente.
Bem escrito, pá. Gosto da prosa. Da poesia também gosto, mais do que de muitas, mas gosto mais da prosa. Deste conto gosto particularmente.
agradeço estes simpáticos comentários