4.5.07

os ossos da cara

Porque as árvores da rua são mulheres abandonadas pelo companheiro, mulheres sem filhos, mulheres de coxas liquídas que por dor enterram as suas caras na terra: não querem ver o dia de rostos amargos. Sobra-lhes de fora o tronco, corpo seco e áspero de uma pele que já não usa cremes á noite, que já não bebe água durante o dia, que já não dorme no quente

(o resto vegetal da barriga, a gordura amarela da barriga encarquilhada encastanhou)




as árvores sem ninguém saber, as suas saias verdes de folhos abrem as pernas ao sol, esperam a chegada da música. As árvores são mulheres nuas na rua que fazem amor com os pássaros, com o vento: o seu sexo rapado vê-se do céu
- eu ajoelhada no chão, eu a bater com a testa no cimento vermelho da parede

(a cabeça pesada a gritar)
bater com a força do corpo e das ideias dentro: na parede, castigar o meu corpo pela imperfeição dos teus dedos dos pés




as árvores na rua são mulheres abandonadas com a cabeça dentro da terra
- eu ficava na varanda a dançar o Inverno até alguém vir: sentia o som da chuva cair-me dentro dos ouvidos e ficava tão desajustadamente feliz, tão profundamente surda
(as orelhas frias do molhado, o cabelo gelado)




os pés costurados ao chão, os joelhos e os braços a dançarem o movimento
- ouvi-te falar com megafone lá em baixo: a tua voz era redonda e eu vivia num 8º andar com gatos a fingir que chamavas por mim




os pés bordados à tijoleira faziam sangue espalhar-se pelo chão: tentava levantar as pernas para correr, queria chegar-te rápido e o sangue, quando eu queria sair, o sangue em pequenos lagos na varanda, os pés agrafados ao soalho, a pele a rasgar dos lados e o sangue a ir-se, morno, morto





morno, morto





Um dia gostava de voltar a ter 15 anos para pôr mousse de chocolate no cabelo. Sairia à rua a perguntar por ti.

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Muito triste... muito profundo... mas muito bom.

Amo-te tudo :)

6:34 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

eu também a amo, posso? :)))))

7:28 da manhã  

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