Rivaud pensou em ficar no local onde Leduc tombara. Permaneceria naquele exacto lugar até que chegasse a expedição de salvamento. Mas os murmúrios da selva de sangue prosseguiram na mesma entoação de um cântico fúnebre. E o corpo do amigo tornara-se desagradável, coberto por uma espuma, ou seria uma película de um líquido fétido, cuja podridão o contaminava também a ele, com o seu cheiro enjoativo, colado aos dedos, entranhando-se pela pele dentro.
E, quando o desespero já assentara no espírito cansado, emergiam na sua memória as imagens indefinidas daquilo que poderia ser uma construção em forma de cara humanóide, olhando o espaço, ou uma torre, ou uma pirâmide espelhada, a reflectir a vaga luminosidade pálida daquele planeta excessivo.
Acordado pela beleza das imagens, Rivaud ganhou energia para continuar a marcha. Deixou o corpo do arqueólogo escondido por folhas mortas e prosseguiu. Andou durante um tempo que lhe pareceu prolongar-se por muitas horas, cada passo um novo tormento, cada fibra do corpo a protestar com dores, pela desidratação, a febre, o cansaço.
Quando chegou a noite, escalou a um ramo de uma árvore e amarrou-se com a corda que lhe restava. Apesar do desconforto, conseguiu dormir. Sonhou com pirâmides e torres imaginárias, caras alienígenas e também, confusamente, com os nomes de fantasia que tinha escolhido para todas aquelas novas espécies de plantas, que ninguém conheceria jamais. E, quando despertou, ao raiar de uma luz que pairava como se fosse poeira, lembrava-se apenas de farrapos do sonho.
Depois, seguiu o caminho. De novo, as botas afundando-se na matéria esponjosa do solo, o cansaço a anunciar cada movimento, um vapor que parecia sair do seu corpo, a água restante, que se perdia para a humidade geral, como se as suas células fossem os únicos tecidos a secarem naquela armadilha.
E, de súbito, viu um movimento, alguns metros à frente. O que lhe pareceu um homem a andar entre a folhagem. E ouviu distintamente o ruído de machetes que cortavam a selva. O seu coração bateu mais forte, assaltado pela esperança de ser encontrado pela missão de salvamento. Mas logo essa alegria entrou em colapso, ao distinguir, naquela distância, duas figuras de homens, as cores do uniforme iguais às suas: eram ele e Leduc!
Sim, ele, Rivaud, a abrir caminho entre ramos soltos; e, atrás, Leduc, com uma expressão de angústia, o olhar desvairado e perdido. Antes de estar morto!. Uma cascata de emoções tomou conta das suas percepções, mas a visão fora breve, já os dois náufragos desapareciam numa neblina, sem lhe dar tempo para gritar.
Rivaud ainda andou à deriva durante muito tempo, uma eternidade. A floresta de sangue estava repleta de ecos. E, de súbito, foi inundado por uma onda irresistível de cansaço. Encostou-se a um tronco e ficou ali, à espera. Estava a morrer e sabia disso. Então, na derradeira hora, quando lhe restava a desistência, teve um relance das construções misteriosas. Estavam talvez à sua frente, a dez metros. Viu a superfície lisa de uma parede que brilhava, mas a imagem não era estável, parecia animada por uma ondulação de neblina que lhe mudava subtilmente os contornos. Era perfeita, pensou Rivaud, maravilhado com a descoberta. Igual ao sonho que sempre procurara, a quimera inexistente, a inatingível perfeição humana, o tesouro inalcançável, o cerne da alma. Uma miragem.
E, finalmente feliz, em paz consigo mesmo, Rivaud deixou-se flutuar na direcção da morte.
UUUFFF...!!! Deixaste-me sem fôlego! Gostei muito.
Este conto é demasiado longo para blogue e torna-se difícil de ler. Agradeço muito este comentário
Gostei muito e também fiquei sem fôlego, mas porque queria chegar depressa ao fim :)
cara cc, desculpe o atraso nesta resposta ao seu comentário, mas estive fora, sem acesso a computador. Agradeço as suas palavras, que reflectem um problema dos textos longos em blogue. Sugiro aos leitores que, ao visitarem os prazeres minúsculos, imprimam os textos. Verão que a leitura pausada, em papel, tem sempre mais força. Um abraço e volte sempre