19.10.06

O caso da loura espampanante


Sou considerado um duro na minha profissão, um detective privado à moda antiga. Por isso, para um tipo como eu, habituado ao sub-mundo, o caso da loura espampanante era uma simples briga caseira. Mas não me interpretem mal, quando um detective como eu se mete ao serviço, pois bem, mete-se ao serviço.
O marido enganado (baixo, gordinho, careca) era um homem de negócios e pagava-me mil dólares para arranjar fotos comprometedoras da sua mulher com o amante dela, um gajo qualquer, arraia miúda, que a louraça conhecera em Hollywood, quando fora actriz sem grande êxito. Um facto era indiscutível: ela tinha demasiadas octanas para o meu cliente. Vocês conhecem o enredo: o marido é peixe graúdo, mas a sereia anda na atmosfera a seduzir marujos de passagem.
Eu podia escrever argumentos de filme B, de tal maneira adivinho as histórias logo desde início, mas as conversas iniciais com o maridinho não me tinham preparado para uma lasca daquelas. A madama era um mulheraço de parar o trânsito. Podia, sem escândalo, ser declarada monumento nacional. E espantei-me: as coisas que Hollywood anda a mandar fora.
Mas não se engana cá o je. Nesse dia, ela saiu de casa com peruca e óculos escuros. Um disfarce quase infantil. E, claro, o perfil dela era inconfundível a uma distância de 200 metros: a forma como se movia na rua, ao mover aquelas ancas de fazer enlouquecer, tornava-a muito fácil de vigiar. Tinha o melhor par de pernas que já vi e foi nessa altura, quando a estava a seguir discretamente na avenida 56, no meio do tráfego da manhã, que percebi o interesse do velho careca, o marido enganado.
A gaja agiu bem, tentou despistar eventuais seguidores e, se tivesse sido um amador, a pista tinha-se perdido. Deu-me as voltas num hotel da baixa, ao entrar por uma porta e sair pela outra, mas eu tinha previsto a manobra e continuei a farejar a presa. Depois, entrou numa estação de metro, apanhou a primeira composição e saiu na estação à frente, mas no último momento, para detectar eventuais seguidores. Claro que eu tinha antecipado o truque e continuei a segui-la, já quase apaixonado por aquele movimento de ancas, uma verdadeira máquina hipnotizadora.
Por instantes, até me imaginei enrolado com a dama, quando ela entrou numa casa de banho pública e eu fiquei fora à espera. Foi ali que ela mudou de disfarce, uma boa manobra para despistar amadores, mas não me deixei enganar. A louraça era uma excelente actriz. Saiu na forma de velhinha insignificante, com saquinho das compras e tudo! Comecei a admirar o petisco!
No fundo, bem lá no fundo, sou um duro de coração mole! Continuei a segui-la, mas agora com extrema admiração. Quase tive pena de ser obrigado, por contrato, a sacar as famosas fotos comprometedoras. Subimos pela avenida 75, a loura espampanante a fazer de velhinha indefesa, e eu a 50 metros atrás, a apreciar aqueles sinais inconfundíveis das ancas num movimento sensual.
Ela subiu toda a 75 e meteu pela 43. Numa precaução que quase me traiu (foi brilhante, devo dizer!) parou num bar da esquina e enfiou um copo de bourbon, olhando manhosamente para ver se tinha sido seguida. Só depois se dirigiu para o hotel onde estava o amante.
Não vou entrar em pormenores, mas descobri que a lasca subira para o quarto 545. O número é irrelevante. O que importa é perceber que havia uma escada exterior e que se podia, com habilidade, colocar uma câmara que me permitia fotografar o quarto. Ainda não tinha chegado lá, quando me cai um tipo em cima. Houve uma luta terrível e quase caí cinco andares. Então, reconheci as fardas das brigadas de intervenção do FBI. Foi a surpresa que me fez baixar a guarda e levei um uppercut nos queixos que me deixou meio abananado. Só acordei em frente ao meu amigo Denzel Washington, que é um dos comandantes do FBI na luta anti-espionagem.
"O que estás aqui a fazer?", perguntou o Denzel.
Não havia razão para lhe ocultar a verdade:
"Estou a seguir uma loura que se encontrou com o amante, um antigo actor de Hollywood, no quarto 545".
"No quarto 545 houve um encontro entre dois espiões soviéticos", disse o Denzel.
"Devem ter sido os ocupantes anteriores. Estes, eram dois amantes. Uma loura e um actor falhado", expliquei.
"A tua loura é uma velhinha de 70 anos que roubou o segredo da bomba atómica", afirmou o Denzel.
"Não te deixes enganar pelo disfarce. Ela é uma excelente actriz. Não sei porque razão Hollywood não a aproveitou. É muito mais boa do que a Olivia de Havilland".
"E eu sou mais bonzinho que o Errol Flynn..."
"Pois, tu és o Denzel Washington".
Impaciente, o meu colega do FBI abriu uma porta do quarto e lá estava, senda na cama, com os seus óculos pendurados no nariz (parecia uma professora primária) uma velhinha com o saco de compras. A mulher que eu seguira, depois da casa de banho. Havia dois enormes gorilas do FBI a seu lado, com cara de poucos amigos.
"O ‘amante actor’ era um coronel do KGB chamado Petrov", explicou-me o Denzel.
"E onde está a loura?"
"Qual loura?"
Nesse momento, percebi tudo! Quando esclareci o equívoco com o Denzel, ainda corri até à casa de banho pública. Fiquei em frente à porta umas duas horas, à espera que a loura espampanante saísse, mas ela não saiu. Já devia ter saído muito antes. Onde estaria a essa hora? E aproveitei aquele tempo para começar a redigir mentalmente o meu relatório: "A sua esposa tem um comportamento exemplar, fez compras, passeou pela baixa. Tenho esta boa notícia: as suas suspeitas de infidelidade não se confirmam".

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2 Comments:

Blogger JCA said...

Caro Luis

Grande texto,a trama faz-me lembrar um pouco um livro que ando a ler agora, e que recomendo para quem gosta deste tipo de prosa:"enquanto Salazar dormia"

Abraço

12:58 da tarde  
Blogger Manuel Nunes said...

História semipolicial, vagamente erótica, enviesadamente cinéfila, com reminiscências do tempo da guerra fria. Prova provada que não se pode confiar em louras espampanantes. Lê-se bem.

6:54 da tarde  

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