6.11.06


O primeiro a morrer foi Delba, que comandava a expedição. Foi na madrugada do primeiro dia. Rivaud só podia especular sobre o que lhe acontecera. Delba vigiava o acampamento enquanto os outros dormiam. Quando acordaram, tinha desaparecido. Acabaram por encontrar o corpo a uma distância curta. A mão fechara-se sobre o que parecia ser uma flor esplendorosa. Mas uma análise revelou que as pétalas eram venenosas. Porque razão o comandante tocara, sem luvas, na flor?
O que nenhum dos membros do grupo compreendeu foi o motivo porque Delba saíra sozinho do acampamento, contra todas as regras. Teria sido atraído por algum ruído ou fora excesso de confiança do comandante? Vira alguma coisa ou alguém? Morto sem angústia, de face serena, Delba já não podia responder a essas inquietações.
Os três sobreviventes abandonaram o primeiro acampamento, depois de terem enterrado o corpo do comandante. À luz muito diáfana da manhã, a selva de Golem parecia incendiada, repleta de tons baços e formas horrendas, como se fosse carne viva pendurada num talho de criaturas gigantes.
"Um milhão de plantas desconhecidas para podermos baptizar com nomes novos", brincara Bergerac. Foram estas as únicas palavras que gastaram. Lembrando-se do companheiro, avançaram calados, pisando a cobertura esponjosa, (lianas, troncos e pântanos), rumo à construção alienígena.
Nesse segundo dia, perceberam que tinham perdido os aparelhos de comunicação e de orientação. Os primeiros deixaram logo de funcionar, consumidos por um musgo, ou algo vivo e quase microscópico que entrara no interior dos mecanismos e os incinerara; os aparelhos de orientação eram menos relevantes, pois não teriam de caminhar um espaço demasiado longo para chegarem ao objectivo, que devia estar logo ali, quatro troncos mais à frente, escondido pela cerrada vegetação rente ao solo.
Mas, nos dois dias seguintes, procuraram em vão a construção misteriosa, sempre sem avançarem mais do que um quilómetro em qualquer direcção. Andavam em frente, depois inflectiam para a direita e, de novo, para a direita, apenas 90 graus em cada viragem; após três voltas andavam de novo para trás, sempre num padrão semelhante, como se varressem uma quadrícula. Então, começaram a perceber que nunca encontravam os rastos deixados pela anterior passagem. Onde tinham cortado raízes e fendido vegetação com os grandes machetes, havia agora apenas a paisagem imaculada, monótona, como se novo tecido tivesse engolido os seus rastos.
O cansaço começara a tomar conta dos três exploradores. Sonhavam com a pirâmide, imaginavam que ali, naquela selva, estaria enterrada uma maravilhosa cidade de cúpulas douradas, mais bela do que qualquer outra construção no universo, e nesse refúgio poderiam descansar das suas fadigas.
Foram sendo tomados de alucinações. Bergerac enlouqueceu ao sexto dia. Começou a rir-se muito alto, histérico. Numa ocasião, sem aviso, embrenhou-se no mato espesso. Não o viram mais. Apenas o riso insensato, que parecia provir de várias direcções ao mesmo tempo. E, quando chegou a noite, trazendo o fumo rasteiro da decomposição dos tecidos, o cheiro ácido da putrefacção, Leduc e Rivaud ouviram de súbito um grito pavoroso, que irrompeu daquela paisagem de camadas decompostas, onde apenas a morte triunfava.
Já não procuravam nada, quando foram surpreendidos pelos insectos do tamanho de um punho. Limitavam-se a percorrer uma espécie de labirinto mental, sem rumo ou sentido, apenas marchando, já sem forças, um passo a seguir ao outro, como náufragos numa rotina.

Etiquetas: ,