21.9.06

Antes de Começar

As crianças brincam. Não é a inocência que as faz balouçar.A inocência reserva-se talvez para alguns animais das ilhas, uns poucos engenheiros e cientistas,para os nomes aqueles nomes que figuram nas extensas listas de presença ou de género estatístico fixadas tanto faz se em vitrinas ou dossiers de arquivo, para alguns doentes mentais tolerados pela imbecilidade familiar, sua bondade ou negação, e reluz no primeiro olhar com que a mãe cobre o seu menino, já lavadinho e morno, salvando-o para sempre das intempéries das classes sociais, daqueles rios a lá onde molha os tornozelos, poças no centro das praças universitárias em que a solidão finalmente estará pronta a atacar. Vai agasalhado, apertou os atacadores, tem bateria no telemóvel? - Pergunta-se. Assim será o dia em que deus deixara escorregar das suas mãos trémulas e azuis todos o grãos de areia que a humanidade do ocidente lhe rezou:
A esperança, as doenças púbicas e intimas, as doenças intimas tão publicas, curas, fomes e gafanhotos, o choro, o capital, os telhados que voam se de vidro se de zinco, vontades e todas as outras excessivas formalidades, histerias cêntricas resultantes do desejo moderno de ir mais e mais longe ou de pudor, esse conserto. Ninguém se reserva formal só porque a mamã ensinou, toma nota, é-o mesma medida em que se portava bem três ou quatro dias antes do natal e pronto. Pegando na bíblia ilustrada do Doré ou engraxando os belíssimos sapatos.
Ninguém é inocente, não deixes que este pensamento bondoso te acompanhe. Nem as crianças que brincam, nem a corda que sustenta o baloiço, nem a energia das solas enquanto deixas solta, pleno voo dos cabelos e do chinelo, a palavra romance. Vai e Vem.
-Será este o último dia de verão? Verbosas miúdas com vento nos vestidos, inflados como promessas. Oh as pernas ficam aqui logo a seguir ao tronco. Verificaremos no primeiro dia de chuva, quando a terra estiver húmida e a relva suja e sem mosquitos, verificaremos no silêncio do quarto de banho o crescimento atempado das minhas maminhas. Prontas a sobressair, para ti, já na próxima primavera.

2 Comments:

Blogger luisnaves said...

belíssimo, muito poético, sobretudo se lermos em voz alta. grande estreia aqui nos prazeres, mariana

8:42 da manhã  
Blogger Luis F. Cristóvão said...

muito boa estreia! Adorei o texto ;)

1:01 da tarde  

Enviar um comentário

<< Home