6.8.06

Úlceras

Porque essencialmente se fala de uma mulher pequena de cabelo liso, a viver sozinha numa rua estreita com pouca gente que passa: uma mulher demasiado presa em si própria que procura casas de banho públicas de forma a sentir pessoas, a sentir outro corpo para além do seu que conhece, de sentir o cheiro de todos os corpos a tocarem-lhe a pele quente dentro das pernas.

Uma mulher de quarenta anos que corre cada casa de banho de metro da grande Lisboa com uma necessidade humana tão legítima como qualquer outra
- despe as cuecas, senta-se

de loja
de restaurante ou café
- despir-se, sentar-se e sentir

cada espaço cultural ou desportivo
- despir-se, sentar-se e sentir tudo o que os outros corpos lá deixaram: o cheiro a fazê-la feliz

a imaginar que vai trazer para casa nas pernas tudo aquilo que os antecessores sentiram
- o cheiro de cada um imaginado e desejado

na certeza de calar a solidão dos afectos com um acolher de pele
- sentem-se coisas entre as pernas que não se sentem em nenhuma outra parte do corpo

e o cheiro fétido, a sujidade, o nojo transparente dos restos de corpos alheios são coágulos que a fazem afastar-se do arvoredo à noite, o arvoredo que rente à estrada lhe tapa a luz da casa

- eu nunca seria feliz sem os outros.

2 Comments:

Blogger Mário said...

zero comentários dirá muito, ou dirá apenas agosto? este meu comentário não diz muito,

só o eco de que eu gosto.

7:16 da tarde  
Blogger Inês Leitão said...

sem eco, Sr Mario :)

8:45 da tarde  

Enviar um comentário

<< Home