Crónica de Farkasvár (I)
Deixem-me contar algumas das histórias dos habitantes desta cidade. Gente que nunca conheci, que gostaria de ter conhecido, que talvez um dia venha a conhecer. Gente como Csilla, a enfermeira que viaja sentada no trólei elécrtico de modelo soviético e que olha pela janela num dia de chuva. Paira na atmosfera uma luz doce, que nos impede de ver os detalhes, pois as cores ficaram diluídas e pálidas.
Vejo a cara dela encostada á janela e permitam-me uma breve descriçäo: Csilla tem pouco mais de trinta anos, certamente ainda näo atingiu os quarenta; possui cabelo louro e tez morena, o que me diz que o louro é pintado. Fugura alta, gestos elegantes;voz agradável, que o excesso de tabaco corrompeu. E noto a tristeza daquele olhar, o que näo é normal nela. Viaja a pensar em estrelas...
Já o disse, é enfermeira, trabalha no hospital central de Farkasvár, o mais antigo, um túmulo de pedra.
Neste momento, enquanto olha a cidade sombria que passa pelo trólei em movimento, Csilla pensa na sua vida sem mudanças.
Sobre ela desceu uma angústia invisível: a sua mäe morreu quatro meses antes, mas näo é isso exactamente que a perturba agora. Talvez seja a neblina que tombou sobre a cidade, transformando cada edifício em lúgubres e melancólicas penumbras. É um pouco disso, também, mas Csilla pensa em estrelas e observa a corrida das gotas de chuva, que desenham rios efémeros no vidro do trólei. E os rios avançam, mudam de percurso, acumulam-se e desfazem-se.
De tal forma Csilla viaja ausente, que näo vë o antigo companheiro de escola, Róbert. Este, ao perceber que ela o ignora, hesita em interromper aquele pasmo etéreo, sabendo que näo se deve pesar sobre a levitaçäo das almas.
Ao sentir aproximar-se a paragem, na Praça Széchenyi, Róbert ensaia um "szervusz", um olá de despedida, mas nada se ouve na trepidaçäo do trólei eléctrico.
Na realidade, Róbert devia acordar Csilla, trazë-la da poeira de pensamentos flutuantes; mas prefere desistir e sair do trólei, adiando assim o inevitável.
Ainda nenhum deles adivinha, mas o destino prepara-lhes um encontro. Num sítio improvável, o concerto ao ar livre da semana seguinte, no momento em que começar a chover. Teräo de sair ao mesmo tempo de lugar em que se sentaram, correr para as arcadas á mesma velocidade e chegar ali ao mesmo tempo, o que näo será fácil, de tal forma säo imensas as combinaçöes de acasos. Se o fizerem em rigoroso simultäneo, väo encontrar-se e, entäo, Róbert poderá dizer o "szervusz" que vem ensaiando.
Depois, viveräo juntos durante seis meses ou seis anos, um caso igual aos outros, que acabará (tudo acaba) sem tragédia ou recriminaçäo, apenas a vaga sensaçäo de perda, quase igual á que ela sente hoje, ao meditar em estrelas e na sua vida sem mudança.
Lajos Kormányos
Traduçäo do original húngaro de Luís Naves
Este texto foi escrito num teclado estrangeiro
Vejo a cara dela encostada á janela e permitam-me uma breve descriçäo: Csilla tem pouco mais de trinta anos, certamente ainda näo atingiu os quarenta; possui cabelo louro e tez morena, o que me diz que o louro é pintado. Fugura alta, gestos elegantes;voz agradável, que o excesso de tabaco corrompeu. E noto a tristeza daquele olhar, o que näo é normal nela. Viaja a pensar em estrelas...
Já o disse, é enfermeira, trabalha no hospital central de Farkasvár, o mais antigo, um túmulo de pedra.
Neste momento, enquanto olha a cidade sombria que passa pelo trólei em movimento, Csilla pensa na sua vida sem mudanças.
Sobre ela desceu uma angústia invisível: a sua mäe morreu quatro meses antes, mas näo é isso exactamente que a perturba agora. Talvez seja a neblina que tombou sobre a cidade, transformando cada edifício em lúgubres e melancólicas penumbras. É um pouco disso, também, mas Csilla pensa em estrelas e observa a corrida das gotas de chuva, que desenham rios efémeros no vidro do trólei. E os rios avançam, mudam de percurso, acumulam-se e desfazem-se.
De tal forma Csilla viaja ausente, que näo vë o antigo companheiro de escola, Róbert. Este, ao perceber que ela o ignora, hesita em interromper aquele pasmo etéreo, sabendo que näo se deve pesar sobre a levitaçäo das almas.
Ao sentir aproximar-se a paragem, na Praça Széchenyi, Róbert ensaia um "szervusz", um olá de despedida, mas nada se ouve na trepidaçäo do trólei eléctrico.
Na realidade, Róbert devia acordar Csilla, trazë-la da poeira de pensamentos flutuantes; mas prefere desistir e sair do trólei, adiando assim o inevitável.
Ainda nenhum deles adivinha, mas o destino prepara-lhes um encontro. Num sítio improvável, o concerto ao ar livre da semana seguinte, no momento em que começar a chover. Teräo de sair ao mesmo tempo de lugar em que se sentaram, correr para as arcadas á mesma velocidade e chegar ali ao mesmo tempo, o que näo será fácil, de tal forma säo imensas as combinaçöes de acasos. Se o fizerem em rigoroso simultäneo, väo encontrar-se e, entäo, Róbert poderá dizer o "szervusz" que vem ensaiando.
Depois, viveräo juntos durante seis meses ou seis anos, um caso igual aos outros, que acabará (tudo acaba) sem tragédia ou recriminaçäo, apenas a vaga sensaçäo de perda, quase igual á que ela sente hoje, ao meditar em estrelas e na sua vida sem mudança.
Lajos Kormányos
Traduçäo do original húngaro de Luís Naves
Este texto foi escrito num teclado estrangeiro
Texto lindíssimo.
Obrigado pelo comentário
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