Apelo do moinho - 2
Esta paisagem nunca me cansa. Quer crer que avistei há dias, aqui da janelita virada a leste com’ á porta por causa dos ventos marítimos, né, cheguei a avistar uma águia–de-boné, como vocês lhe chamam, que dizem qu’ é um bicho raríssimo. Nunca me cansa. E olhe que já é o terceiro incêndio qu’ eu choro daqui nos últimos quatro anos, qu’ até a nha senhora do último se consumiu porqu’ ele já vinha monte acima e as labaredas haviam de me lamber a camisa antes qu’ às velas do moinho, eu havia de cá torrar com ele, não o abandonava por nada, foi por um triz.
E depois dá-me gozo rodar o mastro, tá a vê-lo, rodá-lo conforme o vento pede, tanto pode tar um vento do mar como de dentro, já se sabe, qu’ a gente acompanha sempre de modo às velas encararem o vento, e isso é qu’ é estar de bem com a natureza, né, pr’a isso julgo eu que não é preciso ser engenheiro. Isto não é para me meter consigo, que vê-se logo qu’ a doutora tamém lhe puxa às vezes pr’á contemplação.
Houve um estrangeiro que fala português que pelo Natal me disse senhor Benedito Alcains, se eu pudesse levava-o a si e ao seu engenho para onde lhe dessem valor. Ora eu até me ri, diga-me lá ond’ é esse paraíso, se houvesse valor se calhar não havia vento, havendo vento com fartura carecia do valor ou pessoas qu’ o dessem, temos que ir indo assim, uns dias mais conformados qu’ outros, né.
Há vento todo o ano, principalmente no Verão, não falta bom trigo pr’a moer qu’ até há quem lhe chame biológico, por não ter cá químicos, o que não há é condições pr’a eu me governar aqui, né, pois. E o nosso presidente quando passou aí na última campanha até chamou ao meu moinho “indispensável recurso didáctico que desempenhou outrora um papel preponderante numa economia rural marcada pela subsistência”, parece que foi assim, ficaram-me estas palavras, veja lá a minha memória nesta idade. Podia aproveitar para pôr a escrita em dia, como se diz agora, até o neto do Timóteo já me disse Tio Benedito é só querer qu’ eu meto-lhe tudo no computador e faz-se um livro, ma’ eu não vou nessa, qu’ isso ocupa munto as ideias e eu sem estudos e tenho receio dessas doenças da cabeça que agora andam pr’aí, a Arzai, ABCs e tudo o mais.
Eu aproveito d’ a doutora estar aqui, que não sei quando volta, pois, com tanto que fazer lá no seu ministério, e com’ isto felizmente já não é como quando eu era moçoilo que falávamos a dizer o que tava mal e arrecadavam logo a gente a pão e água, aproveito e só peço que lá nas reuniões ou assim, que se lembrem aqui do Alcains e deste moinho a fugir do passado a passadas largas, qu’ o moinho está em bom estado, sempre sem parar, e que não o deixem morrer cômigo, quand’ eu for, pronto, né. É isso que me consome, só isso. E já agora, isto não sendo da minha conta, tá claro, mas qu’ olhem pelo resto da paisagem que se alcança daqui, qu’ a mim já me parece que não é só ao moinho que faltam com a palavra, e digo isto não é para ofender, ma’ isto tá-se tudo a ir embora, hã, né? Adeus, doutora, ficava agradecido se me visse lá isso, gosto sempre de a ver por aqui, pois adeusinho.
E depois dá-me gozo rodar o mastro, tá a vê-lo, rodá-lo conforme o vento pede, tanto pode tar um vento do mar como de dentro, já se sabe, qu’ a gente acompanha sempre de modo às velas encararem o vento, e isso é qu’ é estar de bem com a natureza, né, pr’a isso julgo eu que não é preciso ser engenheiro. Isto não é para me meter consigo, que vê-se logo qu’ a doutora tamém lhe puxa às vezes pr’á contemplação.
Houve um estrangeiro que fala português que pelo Natal me disse senhor Benedito Alcains, se eu pudesse levava-o a si e ao seu engenho para onde lhe dessem valor. Ora eu até me ri, diga-me lá ond’ é esse paraíso, se houvesse valor se calhar não havia vento, havendo vento com fartura carecia do valor ou pessoas qu’ o dessem, temos que ir indo assim, uns dias mais conformados qu’ outros, né.
Há vento todo o ano, principalmente no Verão, não falta bom trigo pr’a moer qu’ até há quem lhe chame biológico, por não ter cá químicos, o que não há é condições pr’a eu me governar aqui, né, pois. E o nosso presidente quando passou aí na última campanha até chamou ao meu moinho “indispensável recurso didáctico que desempenhou outrora um papel preponderante numa economia rural marcada pela subsistência”, parece que foi assim, ficaram-me estas palavras, veja lá a minha memória nesta idade. Podia aproveitar para pôr a escrita em dia, como se diz agora, até o neto do Timóteo já me disse Tio Benedito é só querer qu’ eu meto-lhe tudo no computador e faz-se um livro, ma’ eu não vou nessa, qu’ isso ocupa munto as ideias e eu sem estudos e tenho receio dessas doenças da cabeça que agora andam pr’aí, a Arzai, ABCs e tudo o mais.
Eu aproveito d’ a doutora estar aqui, que não sei quando volta, pois, com tanto que fazer lá no seu ministério, e com’ isto felizmente já não é como quando eu era moçoilo que falávamos a dizer o que tava mal e arrecadavam logo a gente a pão e água, aproveito e só peço que lá nas reuniões ou assim, que se lembrem aqui do Alcains e deste moinho a fugir do passado a passadas largas, qu’ o moinho está em bom estado, sempre sem parar, e que não o deixem morrer cômigo, quand’ eu for, pronto, né. É isso que me consome, só isso. E já agora, isto não sendo da minha conta, tá claro, mas qu’ olhem pelo resto da paisagem que se alcança daqui, qu’ a mim já me parece que não é só ao moinho que faltam com a palavra, e digo isto não é para ofender, ma’ isto tá-se tudo a ir embora, hã, né? Adeus, doutora, ficava agradecido se me visse lá isso, gosto sempre de a ver por aqui, pois adeusinho.