13.1.06

Uma palavra forte

A vila não tinha distracções, para além das noites frias nas margens do lago artificial. A câmara urbanizara aquilo, arrasando o excesso de arvoredo. E faziam festas, às vezes bailes para o povo ou tocava a banda. Um dia, até veio uma orquestra erudita. A música tinha pinta, mas às tantas voaram partituras ao vento e o maestro apanhou com uma caganita de pássaro. Juro, não é invenção, o concerto era ao ar livre e parecia que tinha caído uma daquelas bombas inteligentes da aviação americana, em cheio no fraque; o pessoal riu até não poder mais, nem os músicos conseguiam impedir um riso que desatinava os violinos e estrangulava os sopros. É o que lembro desse fim da Primavera. Estávamos a acabar o liceu e havia aquele pequeno grupo, eu, a Elisa e o Francisco, só nós os três; a minha avó dizia que eu parecia um bicho do mato. E respondia-lhe que era impossível evitar ser diferente quando os outros já o tinham decidido assim. Podia ficar aqui meia hora a falar da minha amizade com a Elisa e o Francisco. Uma noite, ficámos horas e horas a olhar as estrelas, junto ao lago. Não estava ali mais ninguém e conversámos até ao amanhecer. Depois, veio o Verão. Tínhamos acabado o liceu e fomos cada um para seu lado: a Elisa para Coimbra, estudar; o Francisco ficou a trabalhar com o pai; e eu saí da vila e, embora não soubesse para onde ia, acabei por emigrar para a Suíça. A minha avó já morreu, não me resta ninguém; passaram seis anos e nunca voltei. E, se me perguntam o que sinto, saudades é uma palavra forte.

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

saudade é palavra forte que muda ao longo do tempo...e depois fica...suave.


abraço.

p.s. (mendesferreira é -isabel- :))

bom fim de semana.

3:13 da tarde  
Blogger luisnaves said...

Esta personagem parece pensar exactamente assim. Existe uma nostalgia pelo tempo de uma espécie de inocência e, por outro lado, não quererá regressar

7:41 da tarde  

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