10.1.06

A pirâmide Maia

A cidade de Izamal transpirava ao calor exagerado da Primavera. As luzes dos passeios iluminavam a invisível fronteira entre dia e noite. Casas de dois andares, muros, janelas, grades e olhares laterais. Ruas estranhas, passos solitários e sombras nas esquinas. Na praça principal, dançava-se. Iluminação artificial, o som dos risos e música, o cheiro das especiarias. E a multidão cantava. Saltou para uma caleche. “Uma volta completa”, pediu, no seu castelhano hesitante. O condutor encolheu os ombros, distraído com a festa. Esperara um par de namorados, saíra-lhe aquele jovem americano magro. O tristonho cavalo levou-os pelas ruas povoadas de sombras. Entraram pela alameda das pirâmides, iluminada pela lua cheia. Havia um fio de asfalto e, de cada lado, os dois montes artificiais, dominadores.


O americano pareceu excitado, contaria depois o condutor da caleche. Quando o polícia insistiu em perguntar-lhe por que razão o desaparecido saltara o muro, o homem encolheu os ombros. Que estúpido azar, pensou, ser suspeito porque não fora um par de namorados, mas aquele rapaz louro e nervoso a subir para o seu transporte.
O americano disse: “Podes parar aqui”. Estavam no meio da estrada e havia um silêncio bizarro. A luz da lua era tão intensa que parecia vir dela o calor que os envolvia. Tudo tinha a cor da prata ou o negrume de um poço. Foi então que o americano saltou da caleche. O condutor achou que ele ia urinar e ficou incomodado. Estará bêbado, perguntou-se. Mas o rapaz limitou-se a saltar o muro e a entrar na cortina de breu, na direcção da pirâmide maia.


“Ainda lhe disse que não podia ser, mas não me ouviu”. O polícia olhava-o desconfiado e o homem tentou ser mais preciso: “Ele não me tinha pago e eu estava muito zangado quando voltei à cidade, meia hora mais tarde”.


A luz baça anulara todas as cores e o americano começou a escalar a pirâmide, num impulso que não compreendia, correndo o risco de se agarrar mal ou de provocar um desmoronamento ou de ser engolido por algum buraco que não poderia ver. Lentamente, aproximou-se do cimo, por vezes a lamentar a loucura do capricho, mas cada vez mais próximo, o que o empurrava ainda mais. Então, de súbito, chegara ao topo. Sentiu-se como uma águia ou como um daqueles seres míticos, meio voadores, meio homens, que povoavam os sonhos dos construtores da pirâmide. Olhou para baixo e viu que a estrada estava vazia. As luzes da cidade brilhavam, distantes, e a noite envolvia-o tão completamente como uma inundação. Ficou ali meia hora. Foi ao descer que a pirâmide reclamou o seu corpo.

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2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Gostei muito. É excelente a forma como entramos no ambiente, sendo uma história tão curta. parabéns

6:30 da tarde  
Blogger luisnaves said...

obrigado pelo elogio.

8:11 da tarde  

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