12.1.06

À espera, com ciúmes

Sinto-me como um homem que um dia vi a empurrar uma carroça repleta no meio do trânsito. O fardo sufocava-o, mas o peso era tão excessivo que ele parecia indiferente ao vendaval de carros à volta, desfeita a sua noção de sentido que apenas a estrada lhe impunha.
Estou sentado e o silêncio oprime. O apartamento está vazio, a mobília sem uso, as paredes sem nexo. A luz que entra pela janela é angustiante e o mesmo digo da cortina, que a aragem faz ondular com suavidade. Estou aqui à espera dela e o tempo passa a diferentes ritmos, às vezes mais depressa, por vezes com uma lentidão feroz. Fiz bem em esconder o relógio na gaveta: o passar dos segundos ouvia-se como se fosse um martelo a bater no meu crânio.
Ela não virá. Faz parte do seu jogo obscuro, do engano e da cortina que me lança aos olhos, a ilusória doçura branca a ondular na brisa. Engana-me há quanto tempo? Talvez desde que me conhece. Sempre foi uma falsa sonsa! E quem será o homem com que engana? O pior de tudo é não saber isso, embora não haja dúvida sobre a natureza da traição.
A falsidade dela é a sua máscara. Tem um disfarce de sorriso brando e duradoura mentira. Parecia-me um anjo, no início, quando me seduzia, mas era um feitiço, aquilo que me encantava.
E aqui estou, prisioneiro, numa espécie de eternidade. À espera, com ciúmes.
O som de passos. É ela. A chave na porta. Hesitação. Ela teme. E ao rodar a chave daquela forma, mais não faz do que confirmar a minha espera.

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Que vida triste! E o respeito, onde está? Deverá o amor ser assim tão febril que se torne doentio? O texto é muito bom, mas angustiante.

4:04 da tarde  
Blogger João Villalobos said...

Cara Eme,
Obrigado pela visita. Já visitei o Véspera e gostei bastante do poste que li. Respondo-lhe em nome do Luís Naves, porque sei que a modéstia o impedirá de dizer-lhe que já pode comprar os "livrinhos" dele. Chamam-se "O Silêncio do Vento" e "Os Reis da Peluda", e estão editados pela Campo das Letras...Até breve

11:31 da tarde  
Blogger luisnaves said...

peço desculpa pelo equívoco, mas não foi exactamente modéstia aquilo que me impediu até agora de responder assiduamente aos generosos comentários. Não compreendi desde o início deste blog que era preciso aprender a tecnologia. Sou analfabeto informático e demorei a entender o príncipio desta espécie de local de conversa. chamo-me luís naves e sou jornalista. tenho 44 anos e alguns livros publicados. A ideia deste blog é escrever material o mais original possível, num espírito de esboço, de livrinho de apontamentos, sobretudo para treinar técnicas e ideias. Por isso, os comentários dos leitores são essenciais, pois nos dizem se um determinado texto funcionou ou não. Neste caso, devo dizer que não me agrada totalmente o resultado. Penso que teria de ser mais extenso e ter um ritmo mais assimétrico, mas claro que me agrada o facto de ele ter sido apreciado pelos leitores. Fica aqui o devido agradecimento pelos comentários e prometo de futuro responder, tal como exige a boa educação.

12:28 da tarde  

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