7.5.07

Territórios de Caça (IX)


9. "Espera, não te vás embora", pediu a desconhecida. Parecia uma criança caprichosa, um pouco zangada com a minha indelicadeza.
Tive noção de que não estava a ser agradável. Esperei por ela. Estendi-lhe a mão, para a cumprimentar. Apresentei-me. E ela também:
"Sou Csilla Feher", explicou a rapariga. (Imaginei logo campos de estrelas, luz intensa) *.
Observei-a melhor: era relativamente baixa; devia ter pouco mais de vinte anos; um corpo perfeito; talvez um dia viesse a ser algo gorda, mas agora tinha a cintura fina, proporções encantadoras; o cabelo era liso e curto, de cor indefinida, entre louro e castanho. Tinha também olhos acastanhados, mas num tom demasiado claro, o que fazia com que parecessem quase verdes, quando vistos de certo ângulo. A rapariga tinha uma expressão suave e era bastante bonita quando olhava para trás, mostrando só o perfil da cara. Vista de frente, não era tão agradável; e quando falava (parecia nervosa e falava depressa) notavam-se os dentes de fumadora, amarelados, e a voz engrossada pelo tabaco.
"Acompanho-te pelas escadas", disse ela, como se estivesse subitamente com pressa.
Descemos um andar. Mas, para minha surpresa, em vez de se despedir e continuar a descer, Csilla prosseguiu na minha companhia, até à porta do meu apartamento. Olhou para mim, com a expressão de um empregado à espera de gorjeta:
"És sobrinha do István?", perguntei-lhe.
Riu-se. O cabelo era curto, mas voou para trás e vi como a expressão dela mudara:
"Não, que ideia! Trato-o por tio porque o conheço desde criança. Era muito amigo dos meus pais!"
Eu estava a abrir a porta, meio confundido com o momento embaraçoso que senti aproximar-se. Ela não partia e não podia deixá-la ali fora. Por outro lado, não a conhecia suficientemente para a convidar a entrar; seria um convite rude, no mínimo. Mas Csilla desfez o impasse:
"Com esta excitação toda, era bem capaz de tomar um chá".
Por isso, entrámos. Preparei rapidamente um chá verde e foi então que tudo começou a acontecer fora do meu controlo. Csilla sentara-se na mesa da cozinha, no mesmo banco onde se sentara Fárkas, dias antes. Sorria para mim, muito inocente. Exclamou que estava calor na cozinha e tirou o casaco. Sob o casaco, vestia uma blusa decotada e o botão de cima estava descuidadamente desprendido, pelo que se lhe via parte do peito. E sorriu para mim, ao perceber que eu observava, de cima para baixo (estava ainda de pé), a gloriosa forma dos seios dela.
"O que era aquilo tudo? Quem é aquele tipo execrável?" perguntei, gaguejando.
"O tio explicou", disse ela, a poisar negligentemente a mala no chão, debruçando-se ainda mais, deixando ver mais alguns centímetros do peito, que descaía, gracioso e redondo.
"O tal Petrudján, quem é?", insisti.
"Tem uma loja de antiguidades e empresta dinheiro. É um agiota".
"E tu? Como entras nesta história?"
Csilla riu-se:
"Vim ver o tio István! Estava preocupada com ele. E deparei com a discussão."
Depois explicou que trabalhava numa loja e, enquanto me contava a sua vida, observei-a melhor: era uma daquelas mulheres que sem serem belíssimas têm um poder qualquer impreciso que enlouquece os homens. Não é algo da esfera do sensual, mas da própria sexualidade, em cada gesto concentrado, em cada pedaço do corpo, na entoação do que dizem, mais do que no discurso. De súbito, senti-me excitado e febril com aquela presença que me perturbava. E, para meu espanto, sabia estar intimidado, mas com medo de mim próprio: quando levantei as chávenas, para as lavar, Csilla seguiu-me e pegou nelas, queria ser ela a lavá-las. De súbito, sem transição que eu pudesse compreender, ficámos lado a lado e senti distintamente o calor do corpo dela, que me queimava e endoidecia. Então, toquei-a no braço, à espera que Csilla se afastasse do meu toque levíssimo. Isso não aconteceu. Não apenas aceitou a carícia, mas parecia fazer pressão no sentido contrário, como se pedisse que a minha mão a envolvesse ainda mais. E ela também me tocou, mas no peito:
"És um homem muito bonito, sabes?", disse Csilla, num sussurro, a mentir sem subtileza.
Depois, pôs-se em bicos de pés e beijou-me na boca, muito na superfície dos lábios. E eu deixei de pensar, ou antes, só pensei em largar a energia que parecia ter refreado toda a minha vida.
* nota do tradutor: feher significa branco e csilla é semelhante à palavra húngara estrela, daí a associação de ideias de kormányos. O autor usa, em algumas passagens mais à frente na história, várias associações deste género, e optámos sempre pela tradução "estrela".

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4 Comments:

Anonymous Anónimo said...

:-) Quero mais...maria joão

11:06 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

... então?

4:35 da tarde  
Blogger Luis Naves said...

falta ainda um bom pedaço. ainda a procissão vai no adro. isto fará sentido a seu tempo. sugiro que imprimam o texto e leiam ao vosso ritmo. E continuem a comentar, claro.

6:12 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Já faz imenso sentido. Estou a adorar, despacha-te, diz a drogadita do blog. maria joão

8:49 da tarde  

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