Honni soit qui mal y pense
Luísa acordou com o risco metálico dos carros nos carris da rua, o longe que já ia a discussão da noite! Uma seta de sol atingiu-a docemente – docemente. O mundo despertara para um dia novo, e ela nele. E desejou-se bom dia: “Bom dia!”
Ainda de olhos fechados esticou o braço, o esquerdo, e levou a mão, de palma aberta, de paz, ao outro lado da cama. Nada. Levou-a ao de leve, de mansinho um pouco mais além, tacteou. E nada! O braço, a mão, pararam. A doçura da sua cara tranquila apagou-se. Por dois segundos não se mexeu. Mas depois ergueu-se sobre o cotovelo direito. Estava sozinha, metade agora vazia! Então, deixou-se cair.
Os eléctricos pararam, a seta de sol recuou, o frio invadiu-lhe a cama e o corpo, nu, e ela afundou os olhos na almofada, os lábios cerrados por já não terem nem som nem destino. E assaltou-se de soluços por meia hora.
A seguir, deslizou devagarinho a aproveitar o calor que ainda havia, e que se esvaía, cheirou a almofada, beijou-a. O aroma do seu corpo ainda lá estava, encheu-se dele, esfregou-se nele, sentiu que o lençol que lhe cobria as costas era um abraço. Pensou estás cá, estás só a tomar banho, a fazer torradas, saíste só por um bocado, um bocadinho, vens aí outra vez – sou eu, deixa, sou eu que sou de medos! Mas de lado nenhum chegava o cheiro do sabonete líquido de extractos de limões do Caribe ou de pão torrado, nem música do rádio, nem a voz conhecedora dos invernos do amor de Júlio Machado Vaz.
De sobre a mesa do relógio – que anunciava 9h20 –, de dentro de duas molduras despejadas das famílias, de ambas as famílias, das malditas famílias, saíam agora suspiros de alívio. De uma terceira, comprada dias antes, não chegará nunca nada... Na parede um autocolante: Honni soit qui mal y pense.
No mundo novo que acabara de nascer, com setas de sol a atravessarem a janela, a casa esfriava, morria. E ela, nela.
Da rua, timidamente, o risco metálico dos eléctricos voltou, dizendo-lhe baixinho, assim como que por respeito, Luísa, ela não volta, a Irene não volta. Mas olha: o dia é novo.
Ainda de olhos fechados esticou o braço, o esquerdo, e levou a mão, de palma aberta, de paz, ao outro lado da cama. Nada. Levou-a ao de leve, de mansinho um pouco mais além, tacteou. E nada! O braço, a mão, pararam. A doçura da sua cara tranquila apagou-se. Por dois segundos não se mexeu. Mas depois ergueu-se sobre o cotovelo direito. Estava sozinha, metade agora vazia! Então, deixou-se cair.
Os eléctricos pararam, a seta de sol recuou, o frio invadiu-lhe a cama e o corpo, nu, e ela afundou os olhos na almofada, os lábios cerrados por já não terem nem som nem destino. E assaltou-se de soluços por meia hora.
A seguir, deslizou devagarinho a aproveitar o calor que ainda havia, e que se esvaía, cheirou a almofada, beijou-a. O aroma do seu corpo ainda lá estava, encheu-se dele, esfregou-se nele, sentiu que o lençol que lhe cobria as costas era um abraço. Pensou estás cá, estás só a tomar banho, a fazer torradas, saíste só por um bocado, um bocadinho, vens aí outra vez – sou eu, deixa, sou eu que sou de medos! Mas de lado nenhum chegava o cheiro do sabonete líquido de extractos de limões do Caribe ou de pão torrado, nem música do rádio, nem a voz conhecedora dos invernos do amor de Júlio Machado Vaz.
De sobre a mesa do relógio – que anunciava 9h20 –, de dentro de duas molduras despejadas das famílias, de ambas as famílias, das malditas famílias, saíam agora suspiros de alívio. De uma terceira, comprada dias antes, não chegará nunca nada... Na parede um autocolante: Honni soit qui mal y pense.
No mundo novo que acabara de nascer, com setas de sol a atravessarem a janela, a casa esfriava, morria. E ela, nela.
Da rua, timidamente, o risco metálico dos eléctricos voltou, dizendo-lhe baixinho, assim como que por respeito, Luísa, ela não volta, a Irene não volta. Mas olha: o dia é novo.
A grave doença de estar sempre a pensar...