2.3.06

Jantar de amigos

Parecia uma barata tonta, mas o seu olhar tinha destinatários bem definidos - foi assim que ele entrou pelo restaurante, cabeça no ar, um caixadóculos perdido - os seus amigos. Tinham combinado tudo pelo telefone, oito e meia, no lugar de sempre, três anos depois. M. trabalhava agora numa galeria de arte da capital e dava-se bem, no meio dos artistas. F. e J. tinham ido viver para Barcelona, agregados aos escritórios centrais da sua empresa comprada por uma multinacional espanhola - três anos depois voltavam ao lugar do crime, à mesa de restaurante onde todos tinham nascido de vez. Ele, o caixadóculos, era o único que mantinha a tradição de filhote da terra, gerente das catorze empresas que o avô deixara e o pai aumentara, uma constante correria entre telefones de várias cores para definir os destinatários, obcecado pelo trabalho, solteiro para lá das raízes dos cabelos. Aquele jantar, três anos depois, era o seu regresso à vida, bem se vê- todos os outros tinham ido em busca de sonhos mais ou menos pincelados por fauvistas, só ele se tinha deixado ficar a viver o paraíso com os pés na terra - e assim, pela primeira vez desde o último jantar onde todos tinham estado juntos, desligou os telemóveis. Parecia uma barata tonta, quando entrou, mas ao fim de seis passos perdidos pelo hall do restaurante, deu de caras com a mesa onde F. e J. já os esperavam, no preciso momento em que sentiu uma mão nas suas costas que, pelo modo de pousar, só poderia ser a de M. . Três anos depois, a nascer outra vez.

3 Comments:

Blogger Sol said...

Tão saborosos esses jantares...

5:13 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Nunca tive um jantar assim. Ou pelo menos parecido com isso. Mas consigo imaginar o caixa-de-óculos, muito racional, muito ponderado, muito timido, muito "certinho" e talvez até o "betinho do grupo". Imagino-a a ela, bonita, sensata, talentosa. Essa história já muito pouco se repete, mas ainda preenche os sonhos de muita gente, ou então, só os meus. ..

É deliciosa.
*

Ah muito tempo que não cá vinha, peço desculpa. Nem sempre partilho das mesmas opiniões, e nem sempre, sinto as coisas da mesma maneira. O meu mundo é outro. Completamente diferente. Por isso nem sempre me sinto bem em vir cá comentar. Desculpem aos autores, que fazem um belo trabalho

* * * * * *

8:14 da tarde  
Blogger joana said...

17 anos dps de me licenciar combinei com as minhas colegas de estudo de então almoçarmos uma x por mês. E temos cumprido. Engraçado, dá a sensação que o tempo não passou assim tão depressa.

11:40 da tarde  

Enviar um comentário

<< Home