Efeitos secundários
Tod Clifton olhou para mim, com uma expressão preocupada. Depois, desviou o olhar para o relatório sobre a minha mesa, como se implorasse apoio. Mantive-me impassível. Ele nunca teria o meu apoio, claro, mas não lhe podia dizer isso.
Naquela tarde em que Clifton me tentou convencer a abandonar o projecto, os aparelhos mais antigos já tinham dois anos de utilização e estávamos a preparar a próxima geração. Tod era um simples engenheiro e não percebia que já estava tudo nas mãos dos políticos.
Enquanto ouvia os seus argumentos, que decidiu repetir (como se eu fosse surdo), recordei o entusiasmo que sentíramos nos primeiros tempos. Queríamos de facto ajudar e pensei que seria uma excelente ideia inserir no crânio de indivíduos um minúsculo microchip que reagia a momentos de raiva. Era engraçado, como aquilo funcionava! Sempre que um tipo se enfurecia, o aparelho estimulava zonas do cérebro que produziam na pessoa uma sensação de medo, ou de desconforto físico, ou apenas sono. Dependia do modelo. Podíamos usar a tecnologia para impedir o crime ou para educar crianças difíceis, ou controlar doenças mentais.
Distraí-me com o globo de brinquedo que tinha sobre a secretária. Já nem ouvia o que Tod Clifton insistia em dizer. Acendi a lâmpada do globo e fascinei-me com a luz interior que iluminara subitamente os países, como se o núcleo do planeta estivesse em fogo:
“Você já não me está a ouvir!”, disse Tod Clinfon, num lamento desistente.
Apontei para a China:
“Lembra-se de quando vendemos os chips aos chineses? A ideia foi sua!”
Clifton fez descair a cabeça, olhava agora para o chão.
“Quem adivinhava que os iam usar daquela maneira!”
Pela nossa memória correram imagens das inserções forçadas em prisioneiros políticos. Sem fúria não há dissidentes e sem coragem não há protestos. Fora difícil de esconder dos media.
“Nós somos mais civilizados”, prossegui. “Os prisioneiros que aceitem voluntariamente têm reduções de pena. Isso revela a superioridade das democracias. E o facto é que reduzimos o crime em 30 por cento”.
“Mas, os efeitos secundários...”
Travei Clifton com um gesto imperial:
“Li o seu relatório. Os efeitos são irreversíveis. Bastam seis meses de uso. Mesmo que o engenho seja retirado, as consequências são para o resto da vida do paciente. O Presidente também leu e, mesmo assim, decidiu avançar com uma proposta de lei que torna obrigatória a inserção de um chip para todas as crianças com distúrbios de comportamento. Sabe que temos um plano? Em dez anos, cobrir 90 por cento da população, inserindo no chip funções que estimulam o prazer. E a minha empresa terá o monopólio do fabrico. É por isso que este relatório se manterá secreto”.
Após um momento de estupefacção, Tod Clifton saiu irritado do meu gabinete. Destruí o relatório na máquina de cortar papel e telefonei para o número que me tinham dado, a avisar que Clifton saíra do edifício. Foi a última vez que vi o engenheiro.
Naquela tarde em que Clifton me tentou convencer a abandonar o projecto, os aparelhos mais antigos já tinham dois anos de utilização e estávamos a preparar a próxima geração. Tod era um simples engenheiro e não percebia que já estava tudo nas mãos dos políticos.
Enquanto ouvia os seus argumentos, que decidiu repetir (como se eu fosse surdo), recordei o entusiasmo que sentíramos nos primeiros tempos. Queríamos de facto ajudar e pensei que seria uma excelente ideia inserir no crânio de indivíduos um minúsculo microchip que reagia a momentos de raiva. Era engraçado, como aquilo funcionava! Sempre que um tipo se enfurecia, o aparelho estimulava zonas do cérebro que produziam na pessoa uma sensação de medo, ou de desconforto físico, ou apenas sono. Dependia do modelo. Podíamos usar a tecnologia para impedir o crime ou para educar crianças difíceis, ou controlar doenças mentais.
Distraí-me com o globo de brinquedo que tinha sobre a secretária. Já nem ouvia o que Tod Clifton insistia em dizer. Acendi a lâmpada do globo e fascinei-me com a luz interior que iluminara subitamente os países, como se o núcleo do planeta estivesse em fogo:
“Você já não me está a ouvir!”, disse Tod Clinfon, num lamento desistente.
Apontei para a China:
“Lembra-se de quando vendemos os chips aos chineses? A ideia foi sua!”
Clifton fez descair a cabeça, olhava agora para o chão.
“Quem adivinhava que os iam usar daquela maneira!”
Pela nossa memória correram imagens das inserções forçadas em prisioneiros políticos. Sem fúria não há dissidentes e sem coragem não há protestos. Fora difícil de esconder dos media.
“Nós somos mais civilizados”, prossegui. “Os prisioneiros que aceitem voluntariamente têm reduções de pena. Isso revela a superioridade das democracias. E o facto é que reduzimos o crime em 30 por cento”.
“Mas, os efeitos secundários...”
Travei Clifton com um gesto imperial:
“Li o seu relatório. Os efeitos são irreversíveis. Bastam seis meses de uso. Mesmo que o engenho seja retirado, as consequências são para o resto da vida do paciente. O Presidente também leu e, mesmo assim, decidiu avançar com uma proposta de lei que torna obrigatória a inserção de um chip para todas as crianças com distúrbios de comportamento. Sabe que temos um plano? Em dez anos, cobrir 90 por cento da população, inserindo no chip funções que estimulam o prazer. E a minha empresa terá o monopólio do fabrico. É por isso que este relatório se manterá secreto”.
Após um momento de estupefacção, Tod Clifton saiu irritado do meu gabinete. Destruí o relatório na máquina de cortar papel e telefonei para o número que me tinham dado, a avisar que Clifton saíra do edifício. Foi a última vez que vi o engenheiro.
Há um chip desses cá em casa. Chama-se televisão.