As margens do Paraíso
Pouco depois de uma curva pronunciada do rio Paraiso, para quem desce na direcção do grande Amazonas, surgem duas cidades, Mostóles e El Diamante, uma em cada margem do já imponente curso das águas. As cidades são pequenas e pobres, não mais do que casarios caóticos espalhados por colinas de barro.
Este foi sempre um local tranquilo, até ao dia que da capital foram enviados dois novos governadores, Francisco Briceño de Rozas (a quem calhara Mostóles) e Julián Sánchez (que recebeu El Diamante). Eram ambos homens dos seus quarenta e tal, políticos de fama: de Rozas nos Blancos e Sánchez nos Colorados. Estavam precocemente envelhecidos pelo conflito que mantinham um com o outro, e tinham caído em desgraça, afastados pelo Presidente, que temia as suas ambições.
“Que se devorem longe da minha vista”, dissera o Presidente, para justificar o despacho de nomeação dos dois governadores para aqueles buracos nos confins da província de Madre de Dios.
De Rozas odiava Sánchez por o considerar uma pessoa sem distinção e porque, cem anos antes, o trisavô do novo governador de El Diamante mandara prender o seu antepassado, um visconde que chegara de Espanha para tentar a fortuna. O jacobino trisavô de Sánchez maltratara o aristocrata, por simples ódio de classe.
Era passado, mas não para os dois governadores. Ainda hoje se discute na província quem quis começar a guerra. Conta-se que Briceño Rozas convenceu o seu chefe da polícia, Lorenzo Maldonado, a formar uma milícia; por seu turno, Sánchez anulou o poder do grande proprietário de El Diamante, um tal Agustin Hinostroza, forçando os mercadores a um boicote contra a cidade da outra margem.
As coisas sucederam-se sem que alguém o pudesse evitar, tal era a obstinação dos rivais, cada vez mais alheados dos próprios interesses. As comunicações entre as duas cidades foram cortadas e irrompeu uma escaramuça numa festa. Houve discursos inflamados dos líderes nas praças centrais da cidade. Depois, num acto de loucura nunca explicado, ocorreu uma emboscada da milícia de Mostóles a uma caravana de comerciantes do outro lado. Neste acontecimento morreram três jovens, muito chorados pela comunidade, um deles primo de Hinostroza, que jurou vingança.
Este é o ponto em que os relatos começam a divergir. Segundo os homens de Sánchez, ocorreram incursões sanguinárias em território de El Diamante, com destruição de fazendas e o afastamento de populações da margem do rio. A versão de Mostóles é inversa: dizem que para se vingarem dos seus mortos, as forças de Sánchez, a quem se juntara Hinostroza, fizeram razias do outro lado do rio, com inúmeras vítimas inocentes.
Os dois governadores encontraram-se num duelo final, onde ambos foram mortalmente feridos. Mas a guerra prosseguiu por mais 28 anos, a ponto de ninguém se lembrar exactamente qual era a sua razão. Dizia-se, filosoficamente, nas tascas de Mostóles e de El Diamante, que era assim a natureza humana.
Este foi sempre um local tranquilo, até ao dia que da capital foram enviados dois novos governadores, Francisco Briceño de Rozas (a quem calhara Mostóles) e Julián Sánchez (que recebeu El Diamante). Eram ambos homens dos seus quarenta e tal, políticos de fama: de Rozas nos Blancos e Sánchez nos Colorados. Estavam precocemente envelhecidos pelo conflito que mantinham um com o outro, e tinham caído em desgraça, afastados pelo Presidente, que temia as suas ambições.
“Que se devorem longe da minha vista”, dissera o Presidente, para justificar o despacho de nomeação dos dois governadores para aqueles buracos nos confins da província de Madre de Dios.
De Rozas odiava Sánchez por o considerar uma pessoa sem distinção e porque, cem anos antes, o trisavô do novo governador de El Diamante mandara prender o seu antepassado, um visconde que chegara de Espanha para tentar a fortuna. O jacobino trisavô de Sánchez maltratara o aristocrata, por simples ódio de classe.
Era passado, mas não para os dois governadores. Ainda hoje se discute na província quem quis começar a guerra. Conta-se que Briceño Rozas convenceu o seu chefe da polícia, Lorenzo Maldonado, a formar uma milícia; por seu turno, Sánchez anulou o poder do grande proprietário de El Diamante, um tal Agustin Hinostroza, forçando os mercadores a um boicote contra a cidade da outra margem.
As coisas sucederam-se sem que alguém o pudesse evitar, tal era a obstinação dos rivais, cada vez mais alheados dos próprios interesses. As comunicações entre as duas cidades foram cortadas e irrompeu uma escaramuça numa festa. Houve discursos inflamados dos líderes nas praças centrais da cidade. Depois, num acto de loucura nunca explicado, ocorreu uma emboscada da milícia de Mostóles a uma caravana de comerciantes do outro lado. Neste acontecimento morreram três jovens, muito chorados pela comunidade, um deles primo de Hinostroza, que jurou vingança.
Este é o ponto em que os relatos começam a divergir. Segundo os homens de Sánchez, ocorreram incursões sanguinárias em território de El Diamante, com destruição de fazendas e o afastamento de populações da margem do rio. A versão de Mostóles é inversa: dizem que para se vingarem dos seus mortos, as forças de Sánchez, a quem se juntara Hinostroza, fizeram razias do outro lado do rio, com inúmeras vítimas inocentes.
Os dois governadores encontraram-se num duelo final, onde ambos foram mortalmente feridos. Mas a guerra prosseguiu por mais 28 anos, a ponto de ninguém se lembrar exactamente qual era a sua razão. Dizia-se, filosoficamente, nas tascas de Mostóles e de El Diamante, que era assim a natureza humana.
Belo!
Stela