5.1.07

no ano de dois mil e sete

no ano de dois mil e sete a poesia era uma maneira de se estar vivo
respirar para dentro das coisas onde não se via nada para além do nevoeiro
e encontrar pela noite dentro um abraço terno e seguro como uma cama bem feita
pelos dedos dóceis de uma avó que só se preocupa com o nosso bem estar.
era ficar em pé de cabeça levemente descaída em frente à montra dos jornais
e ler alguns títulos que nunca nos interessavam verdadeiramente
como os jantares oferecidos ao corpo diplomático pelo presidente da república
ou os referendos que se repetiram infinitamente até deixarmos de perceber o seu significado.

no ano de dois mil e sete a poesia era um livro publicado na primavera
e um abraço apertado à beira-mar enquanto nos copos água fresca aquecia
porque o estrangeiro é mais da nossa própria terra onde nos olham de lado
do que numa cidade distante onde nos tiram o chapéu porque abrimos janelas sorridentes.
era poder telefonar-te porque um beijo ficar por dar no aceno na calçada
era finalmente ter nos bolsos as chaves de uma casa com cortinados coloridos
e ficar sentado numa das noites da semana no sofá grande da sala
a ver um filme francês daqueles que passam a desoras no canal um da erretepê.

no ano de dois mil e sete a poesia era também composta pelas mesmas palavras
que se podem encontrar nos livros mais antigos da história da humanidade
e também nas músicas do josé mário branco e do josé afonso embora essas
tivessem perdido todo o seu sentido original para serem apenas poemas sublimes.
era abraçar-te como se abraça o amor da nossa vida descoberto
e comer maçãs descascadas com vista para o prédio onde uma vizinha estendia a roupa
ser domingo de manhã e sentir um raio de sol a entrar-nos nos peito pelo pijama aberto
sorrir sossegado com a poesia que nos envolve a alma no ano de dois mil e sete.