19.7.06

O teu Rasputine (II)

Van Merchser, o americano, chegou à hora certa com um batalhão de jovens advogados vestidos de igual, igualmente silenciosos. A encenação dele. O cumprimento frio, um olhar rápido nos papéis, outro no relógio, o ar enfadado de quem quer terminar depressa uma obrigação maçadora.
Nesse momento Marta perdeu toda esperança e as lágrimas começaram a romper caminho num canto qualquer dentro de si. Teve que concentrar-se em reprimi-las.
Depois de semanas de telefonemas sem resposta, de faxes para cá e para lá, de pedidos insistentes, o americano trazia a decisão tomada. Malthus bem podia usar todo os seu poder mental na sala ao lado, estava tudo acabado. Agora ela já só queria abafar as malditas lágrimas.
Foi no meio dessa mistura confusa de medo e de raiva que ouviu a voz estranhamente suave do americano. “Não se preocupe, o projecto é bom, esperamos”. Depois caiu um silêncio longo, longo na sala, que parecia não acabar mais.
Quando compreendeu que Van Mercher estava ali, afinal, a dar-lhe a mão, Marta quis beijá-lo, agarrar-se a ele, gritar-lhe obrigada, quis chorar. Mas em vez disso, concentrou-se em reprimir as lágrimas. A imagem do jovem de cabelo cor de palha sentado no sofá negro, na sala contígua, emergiu nítida no seu espírito e as palavras vieram atrás, “meu grande sacana, conseguiste”.
Sentada a seu lado, Mariana dominou-se primeiro. Mulher de leis habituada a emoções, foi ela quem quebrou o silêncio. “Terá o projecto dentro de duas semanas na sua secretária”, disse, muito profissional, muito competente. Depois o Van Mercher saiu, e com ele o batalhão ordeiro dos advogados. Sozinhas, elas abraçaram-se e riram.
“Eu não te dizia, não te dizia, mulher de pouca fé”, gritava Mariana. Entusiasmadas, correram para a outra sala, chamando pelo holandês. Iriam festejar os três, beber umas cervejas no Rapsódia, rir alto até tarde. Lá dentro, mergulhado na penumbra, afundado no sofá negro, Malthus esfregava os olhos e olhava-as como se estivesse meio estremunhado. “Estou pronto, vamos lá a isto”, disse no seu português meio cómico, carregado de erres, enquanto se espreguiçava, muito discretamente.