17.7.06

lição de piano

porque de tanta vontade de soletrar palavras aos ouvidos dos outros
eu sento-me agora no chão da sala, com tanto calor na testa suada,
e vejo como é ténue a linha que nos separa das mulheres que existem nos livros
quando nos deixamos levar pelos sonhos de noites inteiras dentro de casa.
porque te tantas vezes repetidos os mesmos nomes no silêncio
eu agora já sei como se faz o pino e a cambalhota sem sair do mesmo lugar,
compro a comida do peixe e alimento-o quotidianamente
levo a minha vida pelos dias como alguém me pede licença para passar.
porque de tantos dias queimados nos cigarros que apaguei neste cinzeiro
o tom da minha pele mudou, tu ficaste junto a porta da tua casa,
e uma vizinha tua ainda foi contar lá no bairro qualquer boato inventado
por o meu carro ser desconhecido e tu viveres sozinha há pouco tempo.
porque de tanta vontade de soletrar palavras aos ouvidos dos outros
eu sento-me agora no chão da sala, com tanto calor na testa suada,
e vejo como o tempo passa cada vez mais dentro de si próprio
sem respostas, sem explicações, sem prazeres, mas sem mágoas.