19.7.06

O teu Rasputine (I)

Marta olhou em redor, nervosa. As pastas com os documentos repousavam alinhadas sobre a mesa, uma cópia para cada advogado, canetas, garrafas de água e copos, nada fora do lugar. A luz no tecto regulada para a intensidade certa. Nem forte, nem débil, certa, apenas. A palavra era de Malthus, o holandês que lhes caíra do céu e preparara o cenário favorável. Insistira muito nesta expressão.
Mas a meia-hora da reunião decisiva, ela não sabia bem o que pensar de tudo aquilo. Acreditara que Malthus podia salvá-la. Não, não era bem isso, pensava agora quase em pânico, olhando a sala à sua volta. Desesperada, na iminência de perder tudo, agarrara-se à ideia louca de Mariana para que contratassem Malthus. Via agora claramente toda a insanidade da situação. Se não conseguisse convencer o empresário americano a protelar o prazo de entrega do projecto, estaria acabada. E a poucos minutos desse encontro, não via como podia levá-lo a aceitar isso. Em breve não lhe restaria um tostão, tinha a certeza.
Ia sentar-se, desanimada, numa das cadeiras vazias, mas parou bruscamente. Em vez disso, como se fosse levada pelos próprios passos, foi até à porta que dava para a pequena sala contígua, bateu ao de leve e entrou. Malthus estava sentado no sofá negro, de olhos cerrados, como se meditasse. Com os estores corridos na janela, a sala estava mergulhada numa penumbra agradável, alheia à cidade que se agitava lá fora. Nesse momento, o holandês abriu os olhos e falou-lhe suavemente, como quem sossega uma criança assustada. “Vai correr tudo bem, garanto”.
As palavras pareceram ter um efeito mágico, porque ela distendeu-se e assentiu agradecida. Quase com ternura, olhou aquela figura estranha de cabelos cor de palha, espetados como palha, e pele branca agradável, que vestia jeans e t-shirt como qualquer jovem vulgar.
“Não é um jovem vulgar”, tinha dito Mariana. “Senta-lo na sala ao lado e vais ver, é a tua solução”. Sem argumentos, sem tempo para pensar noutra coisa qualquer, ela resignara-se. E agora, olhando o rosto tranquilo de Malthus, quase acreditava. “De qualquer modo não tenho outra hipótese”, pensou. Entregaria a Malthus, na sala ao lado, o desfecho da reunião. “Poder mental”, garantira-lhe a maluca da amiga, enumerando os sucessos do holandês. “Lembras-te da Disney e da Dreamworks? Malthus na sala ao lado. E a GM Petróleos e a Roadmap Stars? Malthus outra vez. Recordas-te da Enron? Malthus não estava lá. Ele é o teu Rasputine”. Mariana, melodramática.
A lembrança daquele fervor fê-la sorrir. Lançou então um aceno de confiança ao holandês e fechou a porta sem ruído. Dentro de minutos chegaria a delegação do americano. Precisava de passar o batôn nos lábios, acentuar um nadinha o desenho do sorriso.

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

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3:33 da manhã  

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