Um "work in progress" à procura de rumo
(aceitam-se sugestões, comentários, etc.)
O desenhador de mapas
Ladislau Ferreira terminou de desenhar o mapa e telefonou para os directores locais. Quanto mais depressa fosse posto em prática o novo projecto, mais rápido ficariam operacionais as fronteiras. Os deportados seguiriam caminho; os locais conheceriam o seu país de origem.
Terminados os telefonemas, exaustivos e fatigantes, Ladislau recostou-se na sua velha cadeira onde há muitos anos encostava as costas doridas de tanto mapa. Levantou a carta geográfica com os braços abertos para absorver as linhas marcadas a tinta-da-china, mas rapidamente os deixou cair, incapaz de os suster sozinho.
Contou mentalmente os anos no departamento de desenho de mapas: 42. Suficientes para saber o trabalho de cor, nunca bastantes para evitar a sensação de angústia perante a obra efémera. E as cicatrizes ficavam cada vez que um mapa se deitava para o lixo, ultrapassado por novas negociações entre facções no terreno. Desde que os Governos assumiram as fronteiras como divisões móveis, sujeitas a constantes actualizações, os seus mapas tinham variabilidade extrema: poderiam durar anos, meses, semanas, mesmo dias ou – felizmente, apenas uma vez – somente horas.
Perante a volubilidade, deveria ter-se deixado do trabalho à mão, seguir a corrente, usar o computador e compor e apagar em impulsos electrónicos. Em vez disso, insistia, teimoso, no desenho dos traços sobre o papel até os olhos chorarem por trás dos óculos presos no nariz gasto, os dedos escurecerem da tinta (dir-se-iam pertença de outro) e lhe doerem, mesmo com a insensibilidade nas zonas que envolviam o marcador.
Ladislau pertencia a linhagem de desenhadores cartográficos com séculos de ramificações genealógicas, tanta tradição dava-lhe peso ao currículo, alguma arrogância e responsabilidade excessiva no respeitar da herança familiar. Desenhar era prazer, destino, necessidade, tortura, imposição. Em suma: vida.
Nesse dia, em tudo igual aos outros, sentia-se pior. Sentia pontadas na zona lombar, os olhos inchados, irritados, como se uma eterna poeira lhe arranhasse a córnea, cãibras nos dedos. Além da indisposição que lhe tomara de assalto todo o corpo, sentia náuseas e tonturas. Sentado na cadeira, Ladislau parecia uma marioneta abandonada pelo seu mestre.
Só que ele não era de madeira, nem estaria sempre pronto a ganhar vida nas mãos do manipulador, nem sequer se levantaria puxado por cordas. Sentia a vida chegar-lhe ao corpo a pingos vertidos por torneira mal apertada. E essas gotas mal lhe lambiam o coração, secavam, e o anseio por novas gotas cravava-lhe pontadas no peito.
Ladislau que nunca fora de exageros hipocondríacos, sentia uma tristeza profunda, nascida de um poço seco no seu corpo, correndo lentamente como fluxo arrastado pelas veias, atrasando-lhe os pensamentos no cérebro, isolando como reais somente aqueles que lhe consumiam o restante da existência.
Ladislau morria nas margens de um mapa com fronteiras de tinta-da-china.
O desenhador de mapas
Ladislau Ferreira terminou de desenhar o mapa e telefonou para os directores locais. Quanto mais depressa fosse posto em prática o novo projecto, mais rápido ficariam operacionais as fronteiras. Os deportados seguiriam caminho; os locais conheceriam o seu país de origem.
Terminados os telefonemas, exaustivos e fatigantes, Ladislau recostou-se na sua velha cadeira onde há muitos anos encostava as costas doridas de tanto mapa. Levantou a carta geográfica com os braços abertos para absorver as linhas marcadas a tinta-da-china, mas rapidamente os deixou cair, incapaz de os suster sozinho.
Contou mentalmente os anos no departamento de desenho de mapas: 42. Suficientes para saber o trabalho de cor, nunca bastantes para evitar a sensação de angústia perante a obra efémera. E as cicatrizes ficavam cada vez que um mapa se deitava para o lixo, ultrapassado por novas negociações entre facções no terreno. Desde que os Governos assumiram as fronteiras como divisões móveis, sujeitas a constantes actualizações, os seus mapas tinham variabilidade extrema: poderiam durar anos, meses, semanas, mesmo dias ou – felizmente, apenas uma vez – somente horas.
Perante a volubilidade, deveria ter-se deixado do trabalho à mão, seguir a corrente, usar o computador e compor e apagar em impulsos electrónicos. Em vez disso, insistia, teimoso, no desenho dos traços sobre o papel até os olhos chorarem por trás dos óculos presos no nariz gasto, os dedos escurecerem da tinta (dir-se-iam pertença de outro) e lhe doerem, mesmo com a insensibilidade nas zonas que envolviam o marcador.
Ladislau pertencia a linhagem de desenhadores cartográficos com séculos de ramificações genealógicas, tanta tradição dava-lhe peso ao currículo, alguma arrogância e responsabilidade excessiva no respeitar da herança familiar. Desenhar era prazer, destino, necessidade, tortura, imposição. Em suma: vida.
Nesse dia, em tudo igual aos outros, sentia-se pior. Sentia pontadas na zona lombar, os olhos inchados, irritados, como se uma eterna poeira lhe arranhasse a córnea, cãibras nos dedos. Além da indisposição que lhe tomara de assalto todo o corpo, sentia náuseas e tonturas. Sentado na cadeira, Ladislau parecia uma marioneta abandonada pelo seu mestre.
Só que ele não era de madeira, nem estaria sempre pronto a ganhar vida nas mãos do manipulador, nem sequer se levantaria puxado por cordas. Sentia a vida chegar-lhe ao corpo a pingos vertidos por torneira mal apertada. E essas gotas mal lhe lambiam o coração, secavam, e o anseio por novas gotas cravava-lhe pontadas no peito.
Ladislau que nunca fora de exageros hipocondríacos, sentia uma tristeza profunda, nascida de um poço seco no seu corpo, correndo lentamente como fluxo arrastado pelas veias, atrasando-lhe os pensamentos no cérebro, isolando como reais somente aqueles que lhe consumiam o restante da existência.
Ladislau morria nas margens de um mapa com fronteiras de tinta-da-china.
acabaste de descrever a maioria dos desenhadores portugueses... não vi onde querias chegar.