Uma história de amor
Aquele era um promissor dia de Primavera. A carrinha com as raparigas deveria chegar a todo o momento e Adriano caminhava em frente ao Bataclã, mas podia pensar-se que tinha um peso sobre os ombros e os seus passos se afundavam na terra mole. O rapaz estava nervoso, acendia cigarro atrás de cigarro. E se tudo corria mal? Se não havia clientela? Todo o investimento que fizera se perderia. Temia o fracasso, sem dúvida, e a vergonha de perder outra vez, mas temia sobretudo que a aldeia de Vila Fria ficasse na mesma para todo o sempre.
Olhou. Baque no coração. Já chegava da estação de caminhos de ferro a carrinha que o seu sócio, o Carriço, conduzia. A carrinha avançou no fundo de uma recta, saindo do verde pinhal, avançava, branca, como um cavaleiro que liberta.
Carriço travou em frente ao bar, com grande guincho de travões e erguendo uma nuvem de pó. A carrinha deslizara na terra de poeira seca, em namoro com o desastre. Depois, estancou sem mais comentários e Adriano aproximou-se, vendo que lá dentro já se agitava um frenesi de roupas coloridas.
E, então, abriu-se a porta corrida e elas saíram, calças justas, cabeleiras postiças louras, fragrâncias de perfume misturando-se com o aroma bruto do eucaliptal. Desilusão. Eram só três, espantou-se Adriano (em vez das prometidas seis) e o sócio saía do outro lado, fazendo gestos lúgubres, só vinham três raparigas, o que tiraria logo muito do interesse daquele bar perfeito que tinham ambos sonhado, nos delírios de transformar Vila Fria e tirá-la da sua pacóvia sonolência.
As raparigas pressentiram que era Adriano o patrão e perfilaram-se à sua frente, em expectativa silenciosa, que incluía uma espécie de desafio volúvel.
Adriano foi um cavalheiro e mostrou-lhes as instalações: o bar que brilharia na noite do concelho, a casa onde elas iriam dormir e cuja honra seria inviolável, garantia ele.
E, enquanto assim passeavam, numa excitação de palavreado, Adriano foi reparando numa delas, a russa alta. E sentiu uma preocupante palpitação coronária.
Deve o autor deste conto verdadeiro dar aqui numerosos e lamentáveis saltos conceptuais, iludir informações importantes. Afinal, nos tempos que correm, as histórias querem-se curtas e contadas em apenas meia dúzia de linhas.
Adriano escolhera o nome de Bataclã para o seu bar por falta de imaginação. Era o nome que usavam umas personagens da velha novela televisiva, e o rapaz ainda se lembrava desses ecos de uma época feliz.
Mais se conta que a russa não era russa, mas ucraniana; chamava-se Irina e nascera num sítio que até o simplório Carriço conhecia de ouvir falar, onde em tempos houvera uma explosão atómica, tinha a beldade apenas um ano.
Adriano podia ser considerado bom rapaz e o seu negócio consistia em querer animar um pouco o atraso reservado da aldeia. Claro, o projecto teve a oposição das forças vivas, do padre Anselmo e das sacristas. No bar que imaginara não se passaram cenas impróprias para liberais e amantes da vida (pelo menos que este repórter saiba). O famoso Bataclã atraiu a atenção cobiçosa de muitos varões das redondezas, que tentavam rondar as três intrusas, incluindo a bela Irina, como aliás as abelhas fazem em torno de flores radiantes, durante as Primaveras esperançosas. E isto gerava em Adriano um poderoso ciúme, praticamente idêntico ao que Otelo sentira pela bela Desdémona (mas essa é uma outra história, de um senhor inglês).
Enfim, mais se conta que Adriano não dava para empresário. Erguera o seu bar perfeito sem pedir as necessárias licenças e, um dia, chegou a inspecção oficial. As autoridades mandaram fechar o Bataclã e os dois sócios perderam nas multas todo o seu lucro. Carriço imigrou.
Felizmente, existe aqui uma moral, seguida de final feliz: Irina correspondeu à paixão explosiva de Adriano e seguiu-se a reacção em cadeia do amor. Os dois passeavam pelos pinhais, sempre de mãos dadas, como dois passarinhos, ela muito loura e russa, ele já não o perdedor de antigamente. E consta que tiveram criancinhas perfeitas.
Olhou. Baque no coração. Já chegava da estação de caminhos de ferro a carrinha que o seu sócio, o Carriço, conduzia. A carrinha avançou no fundo de uma recta, saindo do verde pinhal, avançava, branca, como um cavaleiro que liberta.
Carriço travou em frente ao bar, com grande guincho de travões e erguendo uma nuvem de pó. A carrinha deslizara na terra de poeira seca, em namoro com o desastre. Depois, estancou sem mais comentários e Adriano aproximou-se, vendo que lá dentro já se agitava um frenesi de roupas coloridas.
E, então, abriu-se a porta corrida e elas saíram, calças justas, cabeleiras postiças louras, fragrâncias de perfume misturando-se com o aroma bruto do eucaliptal. Desilusão. Eram só três, espantou-se Adriano (em vez das prometidas seis) e o sócio saía do outro lado, fazendo gestos lúgubres, só vinham três raparigas, o que tiraria logo muito do interesse daquele bar perfeito que tinham ambos sonhado, nos delírios de transformar Vila Fria e tirá-la da sua pacóvia sonolência.
As raparigas pressentiram que era Adriano o patrão e perfilaram-se à sua frente, em expectativa silenciosa, que incluía uma espécie de desafio volúvel.
Adriano foi um cavalheiro e mostrou-lhes as instalações: o bar que brilharia na noite do concelho, a casa onde elas iriam dormir e cuja honra seria inviolável, garantia ele.
E, enquanto assim passeavam, numa excitação de palavreado, Adriano foi reparando numa delas, a russa alta. E sentiu uma preocupante palpitação coronária.
Deve o autor deste conto verdadeiro dar aqui numerosos e lamentáveis saltos conceptuais, iludir informações importantes. Afinal, nos tempos que correm, as histórias querem-se curtas e contadas em apenas meia dúzia de linhas.
Adriano escolhera o nome de Bataclã para o seu bar por falta de imaginação. Era o nome que usavam umas personagens da velha novela televisiva, e o rapaz ainda se lembrava desses ecos de uma época feliz.
Mais se conta que a russa não era russa, mas ucraniana; chamava-se Irina e nascera num sítio que até o simplório Carriço conhecia de ouvir falar, onde em tempos houvera uma explosão atómica, tinha a beldade apenas um ano.
Adriano podia ser considerado bom rapaz e o seu negócio consistia em querer animar um pouco o atraso reservado da aldeia. Claro, o projecto teve a oposição das forças vivas, do padre Anselmo e das sacristas. No bar que imaginara não se passaram cenas impróprias para liberais e amantes da vida (pelo menos que este repórter saiba). O famoso Bataclã atraiu a atenção cobiçosa de muitos varões das redondezas, que tentavam rondar as três intrusas, incluindo a bela Irina, como aliás as abelhas fazem em torno de flores radiantes, durante as Primaveras esperançosas. E isto gerava em Adriano um poderoso ciúme, praticamente idêntico ao que Otelo sentira pela bela Desdémona (mas essa é uma outra história, de um senhor inglês).
Enfim, mais se conta que Adriano não dava para empresário. Erguera o seu bar perfeito sem pedir as necessárias licenças e, um dia, chegou a inspecção oficial. As autoridades mandaram fechar o Bataclã e os dois sócios perderam nas multas todo o seu lucro. Carriço imigrou.
Felizmente, existe aqui uma moral, seguida de final feliz: Irina correspondeu à paixão explosiva de Adriano e seguiu-se a reacção em cadeia do amor. Os dois passeavam pelos pinhais, sempre de mãos dadas, como dois passarinhos, ela muito loura e russa, ele já não o perdedor de antigamente. E consta que tiveram criancinhas perfeitas.
Nas histórias das empresas, há que saber gerir e planejar para se obterem bons resultados.Contrariamente, nas historias de amor, o melhor é o que surge de improviso. Lá diz o velho ditado "Quem casa não pensa e quem pensa não casa". Fiquei feliz pelas criancinhas perfeitas, sem vestígios desse terror de Chernobyl.