10.3.06

A notícia

O parque central mergulhara numa tranquila sonolência. Apenas o rumor da grande cidade diluía os pensamentos de Tim Forrester, que estava sentado, a desfrutar a luz tépida do sol de Inverno. Ao sair progressivamente do agradável estado de flutuação no vazio, viu a idosa que se aproximava pela direita. E teve por ela uma espécie de simpatia que jamais sentia pelos seus concidadãos. Só então o seu olhar de repórter notou a figura espantosa que se aproximava pela esquerda: era um homem que esbracejava no ar, doido varrido, a falar sozinho. Idade indefinida, marcado por alguma desgraça. Foi à distância de dez metros que o reconheceu, num misto de susto e surpresa. Era Chandler, mas diferente. Um Chandler desmazelado e sem nexo, a sombra do homem influente que Forrester conhecera.
Em passo bêbado, Chandler passou à sua frente, casaco descaído, a camisa de fora, a barba mal feita, a boca a abrir-se num vozear murmurado, como se repetisse uma reza. A velha parara para observar aquele destroço humano. Forrester percebeu a observação, cruzaram os olhares. Chandler afastava-se na direcção oposta, numa passada tonta, a lengalenga que dizia continuava a zumbir como o voo de uma vespa.
No sol que brilhava, a velha aproximou-se do jornalista, abanando a cabeça, como se lamentasse alguma coisa:
“Coitado! Era tão boa pessoa!” (Falara do desgraçado).
Com profunda emoção, Tim Forrester tentou travá-la com um braço:
“Conhece-o?”
A velha estranhou a agitação, mas respondeu:
“Era meu vizinho! Morava aqui, num apartamento de luxo”
“O que lhe aconteceu?”
“Destruíram-lhe a vida...”. Mas já se afastava, alarmada com a insistência.
Ao ouvir a notícia, Tim Forrester ficou paralisado. Como era possível? E recordou como conhecera Chandler, cinco anos antes.
O scoop valera-lhe promoções e fama. Soubera não largar a história, questão de persistência. A partir de informações desencontradas, percebera que a chave do escândalo era Chandler, na altura alto quadro de uma companhia que trabalhava para o Governo. Depois de o pressionar, convencera-o a dar-lhe as informações de que necessitava. Habilmente, obtivera documentos. As pistas da história seguiam para Washington, deixara de necessitar das informações de Chandler e esquecera aquela sua fonte.
De súbito, Forrester percebeu que alguma coisa correra mal. A velha afastara-se, mas seguiu-a, quase a correr. Devia estar quase fora de si quando a apanhou:
“O que aconteceu àquele homem?”
Assustada, a velha teve o primeiro instinto de responder:
“Destruíram-lhe a vida, não sei mais!”
“Diga-me”, ordenou Forrester, quase aos gritos.
“Uma notícia de jornal, não sei! Ele falou com um jornalista! Ele e a mulher foram despedidos! A família destruída! Mas não sei mais! Largue-me, ou chamo a polícia!”.
A velha sacudiu Forrester, como se este fosse um trapo, e afastou-se na alameda vazia, num passinho acelerado.

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Não tem nada a ver com nada.

Mas depois de ler este texto lembrei-me que tenho que ir fazer um texto a setora de Economia sobre a presidência de Cavaco Silva. :\

A proposito, gostei do texto.

* * * * * *

4:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Pequena história deliciosa.
Stela

5:48 da tarde  

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