31.3.06

declamador

ele abria muito a boca e a sua voz transformava-se, forte, num verso ou
ele abria muito a boca e um verso transformava-se, novo, na sua voz. qualquer coisa ali deixava de ser um rapaz, um livro, uma voz - leitura incandescente aos olhos de quem vê - para ser muito mais uma torrente de sons consentidos, com sentidos, que disparavam faíscas pelas componentes cerebrais, não das pessoas, mas da própria sala.

ele abria muito a boca e, ao mesmo tempo, pelas mesas da sala as bocas abriam-se em refrão, sem som, de uma admiração atingida pelas palavras. a saliva deixava-se escorregar pelas paredes da boca até aflorar aos lábios que, suspensos na imitação do poema, se fechavam antes da alvorada da mesma. não era sequer preciso perceber muito bem o que ele dizia, no fundo, talvez ele não dissesse nada. era só aquela sensação de prazer a crescer do coração para a boca e da boca, de novo, ao coração.

1 Comments:

Blogger Clotilde S. said...

Imaginem um bar de cinema.

Imaginem dois acordeonistas.

Imaginem umas mesas redondas.

Imaginem poemas.

Imaginem música.

Uma tertúlia musicada.

A voz e o gesto de um poeta entregues às palavras de outro poeta.

Ontem, eu estive lá e gostei .Bravo Declamador!

1:27 da tarde  

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