A melodia de Bach
Budiaguin observou as bétulas e as faias que o rodeavam. Distraiu-se com a luminosidade doce que vinha da orla da floresta, e que dava às folhas finas das gramíneas a textura cintilante das superfícies aquáticas. Crescia uma ligeira brisa e, sem perceber porquê, o capitão lembrou-se de Pavlik. A sua memória concentrara-se nos botões dourados do uniforme do amigo, o sorriso, a voz amarga, que falava de qualquer coisa. Tinham os dois caminhado pela trincheira baixa, nem dobravam o tronco nos pontos menos protegidos dos atiradores austríacos. Então, pararam num local e ficaram frente a frente, na conversa, alheados da guerra. Pavlik começara a falar da mulher que amava. Era fim de tarde, com crepúsculo lento, igual ao de outros dias. De súbito, a cabeça de Pavlik estalara e Budiaguin compreendeu de imediato o que acontecera: o atirador furtivo tinha dois alvos, oficiais russos numa trincheira baixa e escolhera um deles, ao acaso.
O capitão Budiaguin desabotoou o dólman. A orla da floresta era como que uma porta aberta trespassada por luz. Tentou recordar o que dizia Pavlik, naquele último momento, mas não conseguiu recordar-se. Tinham passado apenas três anos e nem se lembrava das feições exactas do amigo.
Que música tocara Ivan Mikháilovitch Kútcherov naquele memorável dia do primeiro combate, em 1914? Decidiu que fora a versão em piano de uma canção de Bach. Trauteou a melodia, enquanto pegava numas amoras siberianas, bagas cor-de-rosa, intenso cheiro doce. O regimento ocupara uma quinta e descobriram um piano no salão. Foi um pouco antes do contra-ataque dos alemães. O tenente Kútcherov sentara-se ao piano. Agora, parecia-lhe um absurdo, coisa de romance. A música parecia atrair o tiro do inimigo. Os alemães disparavam como loucos na direcção do salão. Então, os dedos de Kútcherov falharam as teclas. Houve uma catastrófica cacofonia e, depois, um peso enorme que se abatia sobre o teclado, produzindo um profundo som, que se arrastou numa eternidade.
A floresta cantava uma melodia de Bach, pensou Budiaguin. O vento agitava as folhas, os arreios dos cavalos, a respiração dos soldados. Fascinado pela luz que brotava da orla da floresta, Budiaguin avançou um metro, depois outro. As suas botas esmagavam as ervas altas, mas era como se pisasse o chão de um salão de baile, enquanto tentava recordar esses rumores do passado, o arrastar dos vestidos, o riso furtivo, a melodia de uma voz....
...O guarda vermelho Grichka Kuzmich não acreditou no que via: um oficial saíra da linha dos brancos, para fora da floresta e dava pequenos passos sobre a erva alta. Kuzmich não viu um homem a cem metros da sua trincheira, mas um ser indefinido. Por isso, apontou a arma à resplandecente farda e, como lhe tinham ensinado, susteve a respiração e pressionou, muito devagar, o gatilho da espingarda.
O capitão Budiaguin desabotoou o dólman. A orla da floresta era como que uma porta aberta trespassada por luz. Tentou recordar o que dizia Pavlik, naquele último momento, mas não conseguiu recordar-se. Tinham passado apenas três anos e nem se lembrava das feições exactas do amigo.
Que música tocara Ivan Mikháilovitch Kútcherov naquele memorável dia do primeiro combate, em 1914? Decidiu que fora a versão em piano de uma canção de Bach. Trauteou a melodia, enquanto pegava numas amoras siberianas, bagas cor-de-rosa, intenso cheiro doce. O regimento ocupara uma quinta e descobriram um piano no salão. Foi um pouco antes do contra-ataque dos alemães. O tenente Kútcherov sentara-se ao piano. Agora, parecia-lhe um absurdo, coisa de romance. A música parecia atrair o tiro do inimigo. Os alemães disparavam como loucos na direcção do salão. Então, os dedos de Kútcherov falharam as teclas. Houve uma catastrófica cacofonia e, depois, um peso enorme que se abatia sobre o teclado, produzindo um profundo som, que se arrastou numa eternidade.
A floresta cantava uma melodia de Bach, pensou Budiaguin. O vento agitava as folhas, os arreios dos cavalos, a respiração dos soldados. Fascinado pela luz que brotava da orla da floresta, Budiaguin avançou um metro, depois outro. As suas botas esmagavam as ervas altas, mas era como se pisasse o chão de um salão de baile, enquanto tentava recordar esses rumores do passado, o arrastar dos vestidos, o riso furtivo, a melodia de uma voz....
...O guarda vermelho Grichka Kuzmich não acreditou no que via: um oficial saíra da linha dos brancos, para fora da floresta e dava pequenos passos sobre a erva alta. Kuzmich não viu um homem a cem metros da sua trincheira, mas um ser indefinido. Por isso, apontou a arma à resplandecente farda e, como lhe tinham ensinado, susteve a respiração e pressionou, muito devagar, o gatilho da espingarda.