Começar
Um dia, que amanheceu dourado numa Primavera que nunca esqueci, o ar trouxe-me uma fragrância desconhecida que se sobrepunha ao aroma dos rebentos nos campos e tornava estéreis os risos plenos de promessas das raparigas. Olhei para Oeste, na direcção para onde se projectava a minha sombra. E vi como ela se afastava já de mim, antecipando-se-me no início do caminho.
Então, eu que coisa alguma conseguia fazer sorrir e que permanecia impávido, tratando como néscios os espirituosos e os bobos, comecei a rir descontroladamente e, pleno de euforia, abri os braços como quem se prepara para voar soltando a plenos pulmões um grito primordial de libertação e certeza. Depois, dei o primeiro passo.
Tinhas então conhecido a D. Epifãnia?
Ocorre-me que seria interessante prolongar a história com a sombra no papel de lebre e o narrador no de tartaruga. E que quando este chegasse ao Portão que fica no fim do caminho, com a sua silhueta algures a dormir uma soneca, o Grande Porteiro lhe recusasse o ingresso, por «só ser admitida a entrada de cavalheiros acompanhados da sua simenência». E no forçado regresso à Terra estaria, então, o final feliz?
Dar o primeiro passo não é nada fácil. Mas pode ser incrivelmente libertador. Este texto é quase um suspiro de alívio. Gostei muito.
Muito confuciano...